sábado, 18 de dezembro de 2010

Tempos estranhos







Novo filme do diretor David Fincher, A Rede Social, conta a história dos fundadores da rede social, Facebook e como ela afetou nossa geração.






Nós vivemos em tempos estranhos. Tempos em que a sociedade vive não mais no mundo real, mas sim numa rede interligada de computadores, dispositivo inventado na década de 40 e que até poucas décadas atrás era tão desconhecido quanto a rede no qual ele opera. A internet.


Estes são tempos de mudanças. Mudanças que se salientaram na década de 80 e que tendem a continuar aumentendo em uma escala crescente de velocidade. O capitalismo derrotou o socialismo e a moeda corrente mudou do dinheiro para a informação. Vivemo numa era da informação em que velocidade comumente é mais importante do que conteúdo. Vivemos numa era em que as fronteiras entre as pessoas não são mais delimitadas por muros que dividem cidades, mas por telas de computadores.


É nesse mundo que nasce A Rede Social (The Social Network, EUA, 2010) a nova empreitada cinematográfica do diretor David Fincher, um dos poucos diretores autorais da atualidade e do roteirista Aaron Sorkin, um dos melhores roteiristas de Hollywood, conhecido por seus diálogos no estilo metralhadora, repletos de humor, nuances e ironias.


Dois alunos da universidade de Harvard, Mark Zuckenberg (interpretado por Jesse Einsenberg) e o brasileiro Eduardo Saverin (o brilhante Andrew Garfield), tiveram, no outono de 2003, a brilhante ideia de criar uma rede social que compartilhasse fotos, vídeos e informações e permitisse o acesso das pessoas de acordo com a permissão concedida a elas. Numa época em que a inclusão social significava tudo, aquela era certamente uma revolução.


Entretanto, o que começou somente como uma rede que englobaria os estudantes de Harvard, cresceu, expandindo-se para mais de 100 universidades e tornando-se então a maior rede social do mundo, com 500 milhões de usuários em todo o mundo, e um capital de 25 bilhões de dólares. E a partir do momento em que o Facebook atingiu seu primeiro milhão de usuários, começaram também as intrigas, as polêmicas e as traições.


O filme abre com a cena em que Zuckenberg rompe com sua namorada (provavelmente a única pessoa de caráter de todo o filme), Erika Albright (Rooney Mara) em uma abertura que levou 99 tomadas para ser feita. Na sequência o jovem gênio cria um aplicativo que compara os rostos das alunas da faculdade e então, a cena corta para o processo judicial que o rapaz está enfrentando. As acusações são feitas pelo seu melhor amigo, Saverin e pelos irmãos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (interpretados por Armie Hamer e Josh Pence com um recurso semelhante ao Curioso caso de Benjamin Button, no qual o rosto de Hamer foi transferido para o corpo de Pence com notável perfeição), e Divya Narendra (Max Minghella) que o acusam de roubo de propriedade intelectual.


O estilo minimalista de Fincher é levado ao extremo aqui, especialmente com um roteiro afiado como o de Sorkin. No filme, a ação ocorre nos diálogos, quase como no filme do diretor Akira Kurosawa, Rashomon, em que vários personagens contam a história de pontos de vista diferentes. A edição, frenética, salienta as diferentes versões dos personagens em um ritmo alucinante.


A fotografia aprofunda os tons dourados e verdes da obra, que no geral é bem sombria. A música, composta por Trent Reznor - da banda Nine Inch Nails - e Aticuss Ross, assemelha-se a uma peça de terror, marcadas por elementos eletrônicos, pianos e sintetizadores. Ela conduz o filme de maneira eficaz, sendo uma das trilhas mais interessantes do ano.


Como é de costume nos filmes de Fincher, o elenco é afiadíssimo e ninguém está fora do papel, ou inferior aos colegas. Logicamente, um ou outro se destaca, e nesse caso Andrew Garfield que interpreta o brasileiro Saverin e Justin Timberlake que interpreta o criador do Napster (aplicativo que disponibilizava músicas gratuitamente na web), Sean Parker, são os que provêm as atuações mais surpreendentes, com Garfield roubando a cena.


Em muitos aspectos, Zuckenberg se assemelha ao perfil de um psicopata. É um indivíduo inseguro, não-atrante e pobre, mas ao mesmo tempo genial. Daí, surge a necessidade de se provar, necessidade que evoluiu para um comportamento ganancioso, inconsequente e destrutivo, onde o único objetivo era a criação - e evolução - do facebook, sendo que ele passaria por cima de qualquer um para alcançar seus objetivos.


É esse o perfil de magnata empresarial que é capaz de criar conceitos revolucionários as custas dos outros, que a sociedade, em especial a norte-americana tende a endeusar. E tal perfil não escapa às críticas de Fincher e Sorkin.


O que também não escapa às críticas dos realizadores do melhor filme do ano, é a sociedade cujas relações tem estreitado-se em conceitos de tempo e espaço, mas que no fim tornaram-se mais distantes, superficiais, que, com o advento da internet, gerou situações repletas de ganância e traição.


A Rede Social pegou muitos de surpresa. Transformou, graças à genialidade de seus realizadores, no melhor e mais comentado filme deste ano. Um filme que retrata as ambiguidades das relações humanas, mais próximas e distantes ao mesmo tempo, do que jamais foram. Relações que transcendem as questões éticas e morais. E ao mesmo tempo, fala do Facebook, a maior rede social do planeta, e Mark Zuckenberg, o bilionário mais jovem de todos os tempos.


Podem esperar A Rede Social no topo dos candidatos ao OSCAR no ano que vem. O filme já recebeu 6 indicações ao Globo de Ouro, venceu uma dúzia de prêmios e foi indicado a outra. É um clássico moderno que define uma geração que vive na cibercultura. Agora analisemos essa situação friamente: o filme sobre a história do Facebook, sendo indicado ao OSCAR de melhor filme. Certamente esses são tempos estranhos.



Um comentário:

  1. Eu particularmente gostei muito deste filme. A ironia do destino se encontra justamente no fato de Mark Zuckerberg ter criado um site de relacionamentos, amizades, e no universo da interpessoalidade, do dia-a-dia, seus relacionamentos acabam virando brigas e processos. Ele ficou bilionário criando um site para se fazer amizades, mas ele mesmo, na vida real, só consegue arranjar inimigos. Essa beleza poética nascida da ironia é simplesmente genial e muitíssimo bem explorada por David Fincher e Aaron Sorkin. É um filme que vale a pena ser visto, sem dúvidas. Sem falar, é claro, que todo mundo sente uma vontade irresistível de sair do cinema pronunciando as palavras em velocidade dobrada.

    ResponderExcluir