domingo, 31 de outubro de 2010

Pense que não é só loucura





Filme do diretor Tony Gilroy entra nos bastidores de uma empresa de advocacia, onde a verdade é tudo, menos do que deve ser...

Michael Clayton, interpretado por George Clooney é um faxineiro de uma grande empresa de advocacia. Não faxineiro no sentido convencional da palavra, mas é um indivíduo que resolve problemas, cuida dos podres e encobre fatos que as empresas filiadas e clientes não querem que sejam divulgadas. Isso até o momento em que seu melhor amigo, Arthur Edens (interpretado soberbamente por Tom Wilkinson) tem um surto durante um depoimento em Milwaukee, tira toda a sua roupa e sai perseguindo os quilerantes pelo estacionamento.
Essa é a premissa principal do filme Conduta de Risco (Michael Clayton, EUA, 2007) do diretor Tony Gilroy. Gilroy está por aí na indústria Hollywoodiana faz um tempo. Escreveu roteiros para filmes interessantes, como Prova de Vida (2000) e O Advogado do Diabo (1997), até que o sucesso bateu à sua porta em 2001. Com um estilo de escrita amadurecido, Gilroy pegou a obra do autor Robert Ludlum e a transformou completamente, dando início à uma das franquias de cinema de ação mais bem sucedidas da história: a trilogia Bourne.
Ele então escreveria os dois filmes subsequentes da trilogia, até finalmente se aventurar nos mares da direção com Conduta de Risco. Pode-se dizer que foi um sucesso. O filme recebeu ótimas críticas (embora possuísse um público restrito), possuía um elenco formidável, um roteiro excelente escrito pelo próprio Gilroy, que teve a ideia de contar as feiuras da indústria da advocacia após a história de O Advogado do Diabo e recebeu 7 indicações ao OSCAR, vencendo na categoria de melhor atriz coadjuvante para a assustadora vilã interpretada por Tilda Swinton (O Curioso Caso de Benjamin Button). Gilroy foi indicado aos prêmios de melhor direção e roteiro original, assim como o filme foi indicado para melhor filme.
Na trama, o surto de Arthur vai muito além do que simplesmente tirar a roupa na frente dos advogados e das testemunhas de um caso envolvendo uma indústria de herbicidas, a U-North. De acordo com documentos que Arthur possui, um dos componentes do herbicida utilizado pela U-North é extremamente perigoso e potencialmente letal. A U-North então contrata a empresa de advocacia na qual Arthur trabalha, para evitar um processo multibilionário das centenas de vítimas causadas pelo herbicida. Contudo, em seu ato de loucura, Arthur decide expor todo o caso, e lutar à favor das vítimas.
É neste momento que os personagens de Tilda Swinton e George Clooney entram em ação, ambos em lados opostos: Karen Crowder é uma executiva da U-North que não medirá esforços para conter a situação, e Michael Clayton trabalha para a firma, numa tentativa desesperada de encobrir o caso e proteger seu amigo. Contudo, a situação vai tomando rumos catastróficos, enquanto Michael tenta resolver seus problemas familiares com o filho, o irmão drogado e uma dívida de 80 mil dólares.
Poucos roteiristas na história do cinema americano foram capazes de escrever diálogos tão interessantes como os de Tony Gilroy. As falas, como o monólogo introdutório de Arthur no começo do filme, relembram os bons momentos do cinema clássico norte-americano da década de 40 e 50, onde o espaço para efeitos especiais era menor, e o desenvolvimento de bons roteiros era maior.
A confluência de elementos cinematográficos como fotografia e trilha sonora, criam um clima frio para o conjunto da obra. As cores, os ambientes e até os figurinos são sóbrios e estéreis, uma representação sombria do universo no qual Michael trabalha. Robert Elswit (fotógrafo) e James Newton Howard (compositor), criaram elementos que raramente chegam ao excepcional, mas funcionam como sustentação para o filme e sua complexa trama. A edição torna o filme espiralado, criando situações que aparecem no começo e só serão entendidas no final.
O filme começa com o Mercedes-Benz de Michael Clayton explodindo em alguma estrada do interior do estado de Nova Iorque. Por algum motivo desconhecido, Clayton estava no topo de uma colina observando um bando de cavalos, quando o atentado aconteceu. A cena clareia e voltamos 6 dias no passado, no dia que Arthur surta e se despe em Milwaukee, criando uma cadeia de eventos que farã com que Clayton coloque em dúvida suas questões éticas, morais e motivações para fazer o que ele faz.
Existe um componente químico em toda essa situação. Arthur sabe, Karen sabe, Michael sabe e o espectador também sabe. Contudo, o personagem interpretado por Tom Wilkinson é o único que parece possuir um pouco de ética nessa história. Talvez não seja um surto de loucura, como ele mesmo diz no filme, mas sim de lucidez. Em um desenpenho assustador por parte de Wilkinson que rouba o filme, o espectador se depara com questões maiores do que os personagens inicialmente pensam.
Em uma indústria que se concentra cada vez mais na produção de remakes e adaptações, Conduta de Risco surgiu como o sopro de uma vertente nova em Hollywood: a de um cinema cabeça, repleto de diálogos e cenários inteligentes, uma esperança para aqueles que se cansaram da mesma fórmula repetida vez após vez, um sopro de esperança.
Em Conduta de Risco, a verdade pode ser alterada. A verdade é aquela que Michael Clayton faz. Mas em sua jornada, ele será envolvido numa convocação, uma convocação para algo maior. E Arthur, em sua bipolaridade que entra na fase maníaca, é aquele que traz a luz para os que estão cegos. O filme beira o sobrenatural em alguns momentos, é importante prestar atenção quando isso acontece. Até lá, pense que isso tudo não é só loucura.


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Coronel Jason Nascimento do Bourne





Filme de José Padilha, Tropa de Elite 2 aborda um lado diferente de seu predecessor. A corrupção.

Desde o sucesso internacional da grande produção de Fernando Meirelles, Cidade de Deus, a chamada Cosmética da Fome vem sendo abundantemente explorada no cinema brasileiro. A Cosmética da Fome retrata basicamente a violência, o sexo e o tráfico, tendo como palco na maioria das ocasiões, as favelas brasileiras, em especial, do Rio de Janeiro.
A primeira escurssão de José Padilha no que parece ter se tornado uma nova franquia do cinema brasileiro, Tropa de Elite (2007), não é exceção. Na trama, o capitão Nascimento precisa encontrar um substituto para sua ocupação, enquanto tenta enfrentar o tráfico nas favelas do Rio de Janeiro antes da chegada do Papa em 1997.
Com grandes quantidades de sequências de ação, tiroteios e fortes cenas de violência, o filme imediatamente caiu no gosto popular e logo obteve atenção internacional, vencendo a Palma de Ouro em Berlin. Mas além disso, apresentou ao público brasileiro um personagem de magnitude nunca antes vista em produções nacionais. O capitão Nascimento. Um homem direto, de moralidade duvidosa, contudo incorruptível, que fará de tudo o que estiver ao seu alcance para por um fim ao tráfico e à marginalidade nas favelas cariocas. Mesmo que isso signifique tortura e outros atos ilegais.
Já em Tropa de Elite 2 - agora o inimigo é outro (BRA/2010) que estreou de maneira explosiva no circuito nacional, o foco da narrativa do capitão Nascimento (agora Coronel), é outro. Após uma operação que dá errado, durante uma invasão a um presídio de segurança máxima, Nascimento, ao invés de ser deposto de seu cargo, é promovido a um na Secretaria de Segurança. Uma atitude que, embora contrária às intenções do governador, serviu como um ato político, dado que Nascimento caiu no gosto popular após o massacre que ocorreu no presídio quatro anos antes do começo da narrativa principal.
Lá, ele procura outras formas de deter o tráfico e criminialidade nas favelas, introduzindo novos armamentos e aumentando o número de tropas do comando especial BOPE. De certa forma, a atitude agressiva de Nascimento com relação à marginalidade carioca funciona, na medida que ele põe um fim aos chefões do tráfico. Entretanto, dessa forma, cria o estopim para uma nova forma de criminalidade: a formação de milícias através da corrupção policial.
Diante disso, Nascimento descobre que seu verdadeiro inimigo é justamente aqueles com quem ele trabalhou durante todo aquele tempo, seus colegas de escritório e os políticos que utilizam como moeda corrente, os votos durante uma época de eleições.
Com o "apoio" do deputado Fraga, que é casado com sua ex-esposa, Nascimento tentará espor a corrupção policial, relacionada à formação de milícias, sequestros, assassinatos e manipulações eleitorais, tentando criar um balanço entre seu trabalho e sua vida familiar conturbada, especialmente com o filho, Rafael.
Nesse aspecto, as profundidades do personagem interpretado por Wagner Moura aparecem com maior intensidade. Nascimento é um homem que só consegue viver para o trabalho, o que explica a falha miserável em seu casamento, a péssima relação com o marido de sua ex-esposa (do qual ele necessita de ajuda) e uma ainda pior com seu filho, sem saber que, ao bater de frente com o sistema, ele estará envolvendo sua família em uma onda de violência sem limites.
O roteiro de José Padilha e Bráulio Mantovani é interessante. A narrativa começa com Nascimento sofrendo um atentado. Seu carro é transformado em uma peneira por um batalhão de policiais corruptos enquanto ele saía de um hospital. Conforme o filme prossegue, o protagonista narra de uma forma muito bem feita os acontecimentos que o levarão até aquela situação. A operação no presídio de segurança máxima, quatro anos antes, seu desentendimento com o colega André Matias (interpretado pro André Ramiro), sua promossão e posteriora guerra contra o sistema que ele tanto jurou defender.
Contudo, o roteiro, ao tentar ser inteligente, esbarra em problemas nos quais depende da burrice ou incompetência de seus personagens (em especial os da imprensa carioca), para manter o suspense e as constantes reviravoltas da trama. Desde a primeira fala, o filme procura ironizar as produções de ação norte-americanas, mas acaba caindo em fórmulas hollywoodianas já vistas antes, como as de Jason Bourne, por exemplo. Um homem procurando enfrentar o sistema sozinho e na obscuridade, também sendo um grande especialista em combates físicos e uso de armas (o que diante de sua profissão é compreensível, mas qualidade que é explorada ao extremo). A narrativa rápida e a edição fragmentada, além do suspense político e até mesmo a trilha sonora são elementos típicos da trilogia protagonizada por Matt Damon, ainda que com grandes alterações.
Da mesma forma em que procura ser inteligente, o filme acaba tendo visões otimistas que se tornam um tanto "inoscentes" diante do contexto político-social mais do que conhecido pela sociedade brasileira, assim como uma visão um tanto ingênua da imprensa e de sua capacidade (ou incapacidade) de provocar alterações significativas na política brasileira.
Onde abundam defeitos, abundam qualidades. Os diálogos são bons, assim como os desempenhos dos atores principais (especialmente de Wagner Moura que carrega o filme). A fotografia é detalhada ajudando a acentuar as cenas de ação, os diálogos são bons e há uma exploração maior das tramas polícias e dramas pessoais que Nascimento terá que enfrentar.
O clima de Tropa de Elite 2 difere muito de seu predecessor. O filme possui menos cenas de ação e se concentra mais em desenvolver os diferentes aspectos da corrupção, recheados de diálogos interessantes (embora com um uso excessivo de linguagem chula, embora isso não atrapalhe) e os dramas pessoais de Nascimento com sua família. Na relação com seu filho, esbanja ternura, enquanto o personagem que se tornou famoso por todo o Brasil procura lidar com seus próprios dilemas morais e éticos, que ele nunca havia prestado atenção.
Ainda assim, o mercado audiovisual brasileiro é restrito. A maior parte dos filmes que geram grande bilheteria e conseguem o mínimo de reconhecimento internacional, não fogem à fórmula da Cosmética da Fome, que já abordada e desenvolvida tantas vezes, com óbvias excessões. Filmes como Nosso Lar e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias são um caso à parte, demonstrando versatilidade e qualidade no cinema nacional (sem qualquer mensão ao filme Lula-Filho do Brasil, um caso grave de propaganda política de mal gosto).
Contudo, o cinema nacional enfrenta problemas e mesmo com a lei que obriga 30% da grade de programação do cinema conter obras brasileiras, o mercado ainda é pequeno. Faltam produções inteligentes com enfoque maior à rica cultura e história brasileiras. A concorrência com os filmes estrangeiros, que esbanjam efeitos visuais e atores de rostos conhecidos em diálogos cretinos e humor pastelão é esmagadora. Entretanto, 2010 surgiu com produções como Nosso Lar e Tropa de Elite 2, sendo que este útlimo, apesar de não fugir de certas fórmulas, certamente representa uma grande evolução no cinema nacional.

Inspire






O filme Inhale, do diretor Baltasar Kormákur, aborda o tráfico ilegal de órgãos assim como graves questões morais de nossa sociedade.

No novo filme do diretor islândes, Baltasar Kormákur, conhecido por A Fraude e outras produções filmadas em seu país natal, pouco conhecidas do público internacional, o ator Dermot Mulroney (o mesmo de O Casamento do Meu Melhor Amigo) é um promotor chamado Paul Stanton que está acusando um homem de tentativa de homicídio, após este suspeitar que seu filho estava sendo assediado sexualmente por um pedófilo previamente condenado. Paralelamente à sua acusação, a filha do casal protagonizado por Mulroney e Diane Kruger, Chloe, está gravemente doente e precisa de um transplante de fígado.
A primeira cena de Inhale (Inhale, EUA/MEX/ISL, 2010) mostra um grave acidente de carro onde um menino de aproximadamente 6 anos de idade foi morto. Imediatamente o espectador pensaria que se trata de uma narrativa espiralada. Que essa cena inicial na verdade se trata do final do filme, e que os órgãos do garoto inevitavelmente iriam para a jovem Chloe. Contudo, essa cena apenas abre o que será o estopim para uma série de conflitos que culminarão em sequências de violência aterradora e dilemas morais ainda mais aterradores.
Incapaz de encontrar um doador compatível com o de sua filha, e vendo o tempo correr mais rápido do que ele pode alcançar, através de um colega, o promotor Stanton descobre uma rede de tráfico ilegal de órgãos no México em busca de um homem conhecido como Doutor Navarro.
As sequências posterioras do filme acompanham a tragetória de Stanton no México, em sua desesperada tentativa de encontrar um doador para sua filha. Em sua jornada, ele descobrirá um grupo de garotos esquecidos que o ajudarão (ainda que de uma forma não muito convencional), um médico que esconde um segredo assustador e um jovem travesti chamado Inez. Juntos, todos mergulharão no mundo do tráfico, do sexo e da violência.
Inhale aguarda distribuição há provavelmente quase um ano e em teoria, deverá estreiar nos Estados Unidos no dia 22/10. Contudo, constantes atrazos na produção e lançamento dão a impressão de que o filme só será lançado em DVD. Já no Brasil, não há qualquer perspectiva de chegada, e tal filme passa completamente desconhecido do público brasileiro.
Kormákur faz uma abordagem bastante seca e direta da violência e do sexo que pulsam pelas ruas abandonadas da Cidade do México. A prostituição e a corrupção policial são mostradas às claras, assim como cenas explícitas de violência e sexo que podem render ao filme uma faixa etária bastante elevada.
Dessa forma, o diretor islandês prende a atenção do espectador conforme a narrativa torna-se cada vez mais frenética, violenta e explícita, enquanto a vida de Chloe vai se esvaindo.
Até um determinado momento, Stanton é um homem dedicado somente ao ato de salvar a vida de sua filha, e fará o que for necessário para que isso aconteça, assim como sua esposa, Diane. Contudo, quando ele descobre a verdadeira natureza do tráfico ilegal de órgãos, ele se vê em um dilema moral extremamente complicado e profundamente difícil. Nesse aspecto, Kormákur faz uma abordagem ainda mais direta e realista dos dilemas morais que um homem da lei como Stanton tem que enfrentar em uma situação como aquela, assim como a real natureza de muitos dilemas morais que abundam em regiões esquecidas e na vida de pessoas abandonadas por um governo local incompetente, despreparado e corrupto.
A fotografia, em tons escuros e cores douradas ressalta um ambiente inóspito, desértico, ainda que com naturalidade. A edição é sóbria, assim como a direção e a atuação dos atores que são discretos mas muito competentes em seus papéis. A música de James Newton Howard não foge à mesma fórmula, mantendo batidas eletrônicas e melodias compostas por violões e guitarras acústicas como já foi visto nas badaladas de Gustavo Santaonalla, com o único objetivo de sustentar o filme.
No fim, nenhum dos elementos citados assim se destaca. Contudo, em conjunto são capazes de prender a atenção do espectador, mergulhando-o nos dramas e dilemas enfrentados por seus protagonistas, com a quantidade certa de ação.
Inhale não é para os fracos e os medrozos. Faz uma abordagem bastante adulta sobre problemas e terrores que assolam as classes inferiores na América Latina, sem esconder sua real natureza. O tráfico de órgãos é uma indústria. Uma indústria que gera uma receita consideravelmente alta, e que, como o tráfico de drogas, se sustenta das vidas humanas. A primeira aventura de Kormákur nos EUA, pode não ter rendido um filme excelente, mas eficaz em mostrar até onde um pai vai para salvar a vida de seu filho, e até quais decisões ele deverá tomar para salvar uma vida.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Comentário convidado - Na Contramão do Tempo

Por Finisia Rita Fideli


Considerado um dos maiores escritores norte-americanos do século 20, F. Scott Fitzgerald (1896-1940), despertou alguma atenção com seu primeiro romance, Este Lado do Paraíso, publicado em 1920, no início da chamada Era do Jazz. Contudo, ele foi mais famoso com seus contos, publicados em revistas prestigiosas de grande circulação, que permitiram que obtivesse suporte financeiro e reconhecimento popular, que se cristalizou como o romanceO Grande Gatsby, de 1925.


Suas histórias freqüentemente falam de jovens amantes sonhadores, heroínas "maluquinhas" e rapazes tristes, e muitos deles refletem aspectos de sua própria vida e de sua esposa, Zelda. Dentre seus 160 contos, muitos são considerados obras-primas, e ele foi um autor prolífico até sua morte, deixando um romance inacabado O Último Magnata, publicado postumamente em 1941.


"O Curioso Caso de Benjamin Button" faz parte de uma coletânea de 1922, Seis Contos da Era do Jazz, e parte de um pensamento do escritor Mark Twain (1835-1910), de que é uma pena que a melhor parte da vida venha no começo, e a pior no fim. No conto, o protagonista nasce aos setenta anos e vai remoçando progressivamente, embora viva uma vida normal, vá à escola e a faculdade, trabalhe, se case com a jovem Hildegarde, tenha um filho, e torna-se general de brigada. Aos 40 anos, em Harvard, ele tem o vigor dos 20 e consegue vencer os colegas do seu filho do time de futebol.


Benjamin Button não escapa das conseqüências devastadoras do tempo, apesar de seu progressivo rejuvenescimento, porque a deteriorização e a morte são impressas sobre ele pela experiência daqueles que o rodeiam. Fitzgerald escreveu o conto como uma piada, mostrando o lado grotesco de ser um jovem com a experiência de um velho.


A glorificação da mocidade é prevalente na ficção de Fitzgerald. O culto da juventude era abraçado pela maioria de seus leitores, e sustentado pela imaginação americana nos anos 20, fenômeno que só se repetiu em meados dos anos 50, com o advento dos beats, dos "delinqüentes juvenis" e de Elvis Presley.


Quase todos seus personagens vivem intensa e irresponsavelmente, buscam o que a vida oferece de melhor. São românticos e passionais, e morrem cedo. Como Gatsby, como o próprio Fitzgerald.


Inspirado na história de Benjamin Button, o cineasta David Fincher convocou o extraordinário roteirista Eric Roth (de ForrestGump) e o ator Brad Pitt (num desempenho soberbo), com quem já havia trabalhado em Clube da Luta (1999), e criou uma fábula arrebatadora sobre um bebê que nasce no último dia da primeira guerra mundial e causa a morte de sua mãe. Feio e enrugado, ele tem características físicas de um octogenário: sofre de artrite e catarata e parece às portas da morte. Desesperado, seu pai (Jason Flemyng) o abandona em um asilo de idosos, onde ele é imediatamente adotado pela negra Queenie (Taraji P. Henson, impressionante) e pelos velhinhos do local. Benjamin sobrevive, e rejuvenesce um pouco a cada ano.


Aceito sem restrições e amparado pelos moradores do asilo, Benjamin recebe educação e afeto irrestritos, e conhece o amor na figura da menina Daisy, cuja avó ela visita de tempos em tempos. Seus caminhos seguem rumos opostos e a menina se torna uma bela mulher e bailarina talentosa, encarnada na fase adulta com o brilho de Cate Blanchet.


Na fase "adolescente", Button vai trabalhar em um barco com um capitão meio maluco (Jarred Harris), que o apresenta às alegrias dos bordéis e se torna um pai substituto. Ambos enfrentam o horror da Segunda Guerra. Na Rússia, Benjamin encontra uma versão madura do amor na pessoa da esposa solitária de um diplomata (Tilda Swinton). De volta à América, ele reencontra Daisy, mas os relógios de ambos estão defasados. Somente na faixa dos quarenta anos é que eles finalmente têm idade e aparência compatíveis e daí seu amor pode florescer. Nesta fase, o filme, até então fotografado em tons sombrios, se torna solar. As cenas de Brad Pitt pilotando uma moto, ou velejando na Flórida, onde os foguetes do Cabo Canaveral partem para conquistar o espaço, são puro arrebatamento. O charme do ator é explorado ao máximo, e seu jeito de eterno garotão americano serve como uma luva para nos convencer de que o sonho da eterna juventude de fato se realizou em Benjamin Button.


O filme, que acumula qualidades, é narrado através de um diário e das lembranças de Daisy, agora idosa num hospital em Nova Orleans (às vésperas do furacão Katrina), que as conta à sua filha Caroline (Julia Ormond). A adaptação de época perfeita nos transporta a uma jornada de quase um século (isso inclui vestuário, veículos, construções e trilha sonora).


A maquiagem é outro ponto forte, sutil e convincente, envelhecendo Brad Pitt, e através da computação gráfica "colando" seu rosto no corpo de diferentes crianças e adolescentes, e remoçando o ator progressivamente, fazendo o oposto com Cate Blanchet.


Os desempenhos são ainda mais que perfeitos, incluindo o elenco de apoio e um bando de velhinhos encantadores, um cachorro quase imortal e um homem que sobreviveu à queda de sete raios.


O filme recebeu 13 indicações ao Oscar e levou apenas três: Melhor Direção de Arte para Donald Graham Burt e Victor J. Zolfo; Melhores Efeitos Visuais para Eric Barba, Steve Preeg, Burt Dalton e Craig Barron, e Melhor Maquiagem para Greg Cannom.


É possível que o vencedor de Melhor Filme, o milionário vira-lata indiano, possa ter envolvido os votantes da Academia de Artes Cinematográficas com sua simpática proposta terceiro-mundista (com cenas de plágio descarado ao brasileiro Cidade de Deus do cineasta Fernando Meirelles), mas dificilmente esta fantasia emocionante da celebração da vida e do amor será superada nos anos vindouros.


O tempo dirá.


FinisiaFideli fez resenhas para as revistas Escrita e Dragão Brasil, e publicou ensaios em Cult e Ciência Hoje. Esta resenha foi publicada no portal do Terra Magazine e utilizada com autorização da autora.