terça-feira, 28 de agosto de 2012

Heróis sem nomes e sem rostos

Como já disse anteriormente (aqui), tenho o maior respeito por agentes de inteligência, também conhecidos como espiões. Este é um ramo extremamente arriscado, que quase sempre cobra um alto preço em troca dos resultados obtidos, resultados estes que quase sempre significam a diferença entre a vida e a morte de dezenas ou centenas de civis inocentes. Neste caso novamente, venho provar que minha opinião tão positiva a favor dos agentes da inteligência militar se mostra correta: o livro da vez é o livro-reportagem Os Últimos Soldados da Guerra Fria, escrito pelo renomado jornalista Fernando Morais.

Embasado por 38 entrevistas feitas entre Cuba, Estados Unidos e México entre os anos de 2008 e 2011, o romance de não-ficção conta a história real, e recente, de uma rede de espiões cubanos agindo em Miami, infiltrados em organizações extremistas de direita que causavam atentados terroristas de grande porte e repercussão em território cubano. O objetivo destes extremistas antirrevolucionários era acabar com o regime de Fidel Castro por meio do corte de recursos proporcionado pela atividade turística, que é claramente o que sustenta a ilha, então seus alvos eram especificamente as áreas turísticas e hotéis espalhados por todo o paraíso turístico.

A Rede Vespa, como foi apelidada pelo Departamento de Segurança do Estado (DSE) cubano – a CIA de Fidel Castro -, chegou a contar com 14 agentes agindo sob disfarce em território norte-americano. Os relatórios enviados pelos agentes à Vila Marista – cidade onde se encontra a sede da agência cubana, e que por isso se tornou sinônimo da agência, tal qual Langley para a CIA – ajudaram as autoridades castristas a frustrarem inúmeros atentados à hotéis e pontos turísticos na ilha e poupando inúmeras vidas de turistas inocentes.

Agindo nos Estados Unidos desde 1990, a Rede Vespa agiu incólume até 1998, quando foi desbaratada pelo FBI, mesmo tendo sido descoberta pelo Estado americano em meados de 1995. Dos dez agentes presos em 98, cinco dos agentes que ocupavam a base da hierarquia da equipe fizeram acordos de delação premiada, sendo posteriormente libertados e colocados no Programa de Proteção à Testemunha. Os cinco que lideravam a equipe, e se recusaram a fazer acordos, são eles: Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández e Ramón Labañino. O quinto integrante preso, René González foi condenado a 15 anos de reclusão, mas conseguiu liberdade condicional após a publicação do livro. Os outros prisioneiros continuam reclusos até este presente momento, com penas que variam de 15 anos a prisão perpétua.

O livro-reportagem é muito claro ao desmistificar o mundo da espionagem, principalmente ao mostrar que a vida de James Bond não passa de ficção: os verdadeiros espiões cubanos batalhavam por moedas, fazendo bicos e se submetendo a empregos braçais, mesmo tendo diplomas em universidades conceituadas em Cuba ou em capitais da ex-URSS – diplomas desvalorizados em uma época pós-queda do muro de Berlim. Os espiões tinham de se esforçar para alcançar uma parca renda que lhes permitisse continuar sua vida dupla, visto que entraram nos EUA como exilados e fugitivos do regime comunista de Castro.

Desse disfarce surge também o conflito, visto que vários dos agentes foram obrigados a abandonar esposas e famílias na Ilha, todos fiéis e leais apoiadores do regime revolucionário que lidera o país. Vistos como traidores por aqueles a quem amam, os agentes se infiltraram entre os inimigos no intuito de deixar a todos seguros, tanto suas famílias quando o seu governo.

Para que se tenha uma ideia do tipo de terrorismo praticado por essas várias organizações pretensamente pacíficas, darei alguns exemplos de casos ocorridos: era bastante comum aviões civis (do tipo Cessnas) invadirem o espaço aéreo cubano e, mesmo recebendo avisos de que por lei poderiam ser derrubados, despejarem sobre Havana – a capital cubana – panfletos contra Fidel. Isso ocorreu até o episódio em que dois Cessnas foram de fato derrubados pela força aérea de Cuba. Entretanto este é apenas o mais simples e pacífico exemplo do terror a que submetiam o povo cubano: no intuito de espantar os turistas, exilados se aproximavam das praias em lanchas, se aproveitando da curta distância entre o litoral cubano e a Flórida, e disparavam metralhadoras antiaéreas calibre .50 contra hotéis, fugindo para águas internacionais antes que a guarda costeira pudesse chegar. Não bastando, em mais de cinco oportunidades, mercenários da América Central foram contratados para instalar bombas em hotéis, explodindo fachadas e até mesmo ferindo e matando turistas e empregados. E estes são apenas alguns dos muitos exemplos de ações hostis que tentavam ser evitados.

Um fato que merece muito destaque na história contada por Morais é a posição do governo dos EUA com relação às atividades, bastante conhecidas, ao que parece, das organizações anticastristas que operavam na Flórida. Embora não ostentasse apoio claro às atividades terroristas contra Cuba, o governo americano tampouco se impunha frente às ações dos extremistas contrarrevolucionários. Ao invés disso, perseguiram a processaram os agentes que se infiltraram no país visando assegurar o bem-estar de seu próprio povo e nação. Quando presos, os agentes foram acusados de espionar o governo dos Estados Unidos, o que acabou por não se provar na corte, visto que a intenção do grupo era conhecer as estratégias e planos de ataque de entidades extremistas contra Cuba e não informações secretas do governo americano. Vale destacar aqui que o líder da unidade também foi acusado de planejar para matar cidadãos americanos, neste caso os pilotos mortos quando os dois Cessnas foram abatidos em espaço aéreo cubano. Nada foi provado no tribunal, mas é interessante analisar a lógica por trás disso: o agente infiltrado é acusado da morte de quatro pilotos que invadiram espaço aéreo, foram avisados, ignoraram avisos e foram abatidos. Não sei a vocês, mas não me parece ter muito sentido.

Em nenhum momento é segredo a oposição do governo americano ao regime dos irmãos Castro. Embora desde o fim da Guerra Fria – quando Cuba começou a receber apoio da URSS – esse conflito de interesses tenha existido, de forma velada ou não a depender de quem se sentava no Salão Oval da Casa Branca, e isso pode ser notado nas políticas de imigração estabelecida entre os países, a falta de ação da Casa Branca com relação à invasão do espaço aéreo cubano por aeronaves que partiam de Miami, ostentando a bandeira norte-americana na fuselagem foi o que definiu a postura do DSE e a decisão de infiltração em território americano. A posição impassível e quase acolhedora para com as organizações terroristas anticastristas na Flórida foi o ponto sem retorno que levou à queda dos agentes da inteligência cubana.

Embora tenham sido presos e condenados, ficou claro ao final das páginas de Morais que a posição dos agentes era única e, da mesma forma, imprescindível para o bem nacional. Sem sombras de dúvida os resultados obtidos por seu trabalho, as vidas salvas, o sucesso conquistado para Havana valeram o preço de sua liberdade. Foram pegos, é verdade, mas o trabalho foi feito. E, muito bem feito, diga-se de passagem. Por coincidência a informação chegou à mídia e daí, para o mundo. Palmas para estes homens que tanto lutaram por seus ideais e pelo seu povo. E palmas para todos os outros homens e mulheres que fizeram e fazem o mesmo sem que o reconhecimento devido lhes seja demonstrado. São verdadeiros heróis: heróis sem nomes e sem rostos.