terça-feira, 15 de abril de 2014

Um conto de outros deuses






Antes de iniciar a leitura, achava difícil entender como a fórmula usada em Percy Jackson poderia não ter dado certo com a criação da série As Crônicas dos Kane, também de Rick Riordan, e cujo primeiro livro - A Pirâmide Vermelha - terminei de ler recentemente. A fórmula é parecidíssima: deuses personificados e atuantes ainda hoje, poderes místicos, protagonistas adolescentes e bastante sarcásticos e, até mesmo, com a história se passando no mesmo universo onde se passam as aventuras de Percy e seus companheiros semideuses (com inclusive cenas hilárias que mencionam os deuses gregos).

Então, por que razão A Pirâmide Vermelha não alcançou o sucesso imediato com o primeiro livro da série, tal qual O Ladrão de Raios? Na minha opinião, isso se deve a uma questão cultural. E explico: enquanto a série Percy Jackson trata de adolescentes que são filhos dos deuses gregos com humanos, criando assim os semideuses, nas Crônicas dos Kane a coisa é um pouco diferente. Carter e Sadie Kane são irmãos que só se encontram umas duas vezes ao ano. E isso porque Carter viaja com o pai, um egiptólogo famoso, enquanto a menina vive com os avós na Inglaterra. Após a morte da mãe dos garotos, ele têm vivido separados e mal se conhecem até que seu pai, Julius Kane, explode o museu britânico e acaba liberando cinco deuses egípcios, obrigando que os irmãos se juntem para sobreviver. E o pior, por serem descendentes dos antigos faraós egípcios, são os receptáculos de dois dos cinco deuses libertados pelo pai, e agora se vêem em meio a uma batalha épica contra um deus do caos, Set.

O problema é, justamente, não haver uma identificação do público para com a mitologia egípcia. Quando eu digo que Hórus (filho de Osíris e Ísis e que, na mitologia, tornou-se o rei dos vivos no Egito - enquanto seu pai é dos mortos) é o deus que pegou uma carona em Carter e que Ísis (a deusa da maternidade e da fertilidade e protetora da natureza e da magia) é a deusa a ser carregada em Sadie, o leitor não tem idéia da aparência, ou da mitologia por trás de tais entidades. Por outro lado, caso eu fale sobre as barbas de Zeus ou os poderes de Poseidon, nenhuma outra explicação se faz necessária, uma vez que tais imagens são corriqueiras na cultura ocidental.

Obviamente que esse problema de conflito de culturas não é culpa de Riordan ou mesmo dos leitores, é apenas a grande motivação, na minha opinião, para que a história não tenha alcançado o sucesso que Percy Jackson e os Olimpianos alcançou. A cultura e mitologia egípcias são tão ricas e interessantes quanto as gregas e romanas, no entanto, para compreender completamente a narrativa uma pesquisinha rápida se faz necessária.

A parte boa é que Carter e Sadie são tão leigos (ou quase) em egiptologia quanto os leitores, o que torna a narrativa bastante didática. O sarcasmo e as línguas-adolescentes-afiadas, tão presentes na série greco-romana, também aqui se fazem presentes nos dois irmãos que não param de se provocar e alfinetar. E, embora exija um trabalho um pouco mais apurado para se apreciar completamente a leitura, a série egípcia segue o mesmo caminho da de Percy: é divertida, interessa e merece, sem dúvidas, ser lida.

Rick Riordan, A Pirâmide Vermelha (The Red Pyramid) , Ed. Intrínseca, 448 pgs., R$ 34,00.