sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Perdendo a inocência, com brilhantismo



Alasca Young era uma garota linda, engraçada, sarcástica, problemática, pervertida, inteligente e com uma língua extremamente afiada. Era viciada em livros, cigarros, vinho barato, sexo e em pregar pegadinhas em seus colegas de escola (as mais épicas e originais, pelo que dizem). Muitos gostavam dela, muitos não gostavam e alguns até mesmo se apaixonaram por ela.

Mas, por incrível que pareça, essa não é a história de Alasca Young. Essa é a história de Miles ‘Gordo’ Halter, um garoto tímido e magricela que coleciona as últimas palavras de pessoas famosas. Sem amigos, o garoto decide partir em busca daquilo que o poeta François Rabelais, quando estava à beira da morte, chamou de o “Grande Talvez”. É com isso em mente que o garoto se muda para longe dos pais para o internato Culver Creek, onde conhece Chip "o Coronel" Martin e Alasca Young. Quando, portanto, eu te contar o nome deste livro é Quem é Você, Alasca? e que Alasca Young morre mais ou menos na metade do romance, você não ficará surpreso ao saber que este é o primeiro romance do (agora famoso) autor John Green - famoso por suas histórias tocantes que sempre envolvem amor e, claro, morte.

John Green é um escritor relativamente iniciante, mas incrivelmente hábil na sua escrita. Seu trabalho realmente se destacou com o livro A Culpa é das Estrelas (que chega ao cinema em breve) e que conta a história de uma garota com câncer terminal que namora (adivinhem, adivinhem!) um garoto que também tem câncer. Mas nesse primeiro romance do autor já vemos o quanto ele promete alcançar, pois é uma obra-prima de reflexão e auto-análise frente a um dos grandes mistérios da vida. E, assim como nós, Miles e o Coronel têm de encarar a partida brusca daquela que parece ser o centro de seu jovem mundo, sem motivos e razões e sem explicações.

O livro é dividido em duas partes: Antes e Depois, sendo feita uma contagem regressiva desde a primeira página (achei a estratégia muito interessante). Sabendo que John Green não costuma poupar a dor de seus leitores, sempre fica a sensação de que a contagem regressiva não é para algo positivo. E logo quando você pensa que talvez estivesse enganado, a contagem chega a zero e você percebe que estava certo o tempo inteiro e sente o nó na garganta pela perda de uma personagem tão cativante. É claro que a morte de Alasca não é exatamente spoiler, uma vez que o nome do livro já mostra a importância da moça, sendo seguida por “O primeiro amigo, a primeira garota, as últimas palavras” na capa. E quando chega a hora, você não sabe o que esperar e mesmo quando descobre aquilo que provavelmente aconteceu, o leitor, assim como Gordo, torce para estar errado, pedindo a qualquer entidade em que possa pensar para que algo muito ruim não tenha acontecido. E, como na vida, isso não faz diferença alguma.

A sensação que fica ao ler sobre a derrocada pós-falecimento é de uma tristeza profunda não só para os personagens como para os leitores. Isso porque, em algum nível, todos gostamos e queremos ser um pouco Alasca: a rebelde sem limites, que se diverte com os amigos e faz o que quer na tênue linha entre a legalidade e a expulsão. E quando a sua partida ocorre, ficamos esperando por uma explicação que nunca chega. E nunca chegará. As últimas palavras do poeta François Rabelais foram: "Saio em busca de um Grande Talvez". E a obra de John Green mostra as inúmeras possibilidades do Grande Talvez. E a incerteza que acompanha inerentemente essa possibilidade. John Green usa Alasca e Gordo para mostrar o quanto é fácil perder a inocência de que somos todos imortais e indestrutíveis. E ele faz isso com um brilhantismo digno dos maiores mistérios da vida humana. Digno do Grande Talvez.

John Green, Quem é Você, Alasca? (Looking for Alaska), Ed. Martins Fontes, 240 pgs., R$24,90.