domingo, 31 de julho de 2011

Não é justo



Harry Potter e as Relíquias da Morte, pt II, releva uma questão curiosa: 'quando um filme baseado em um livro, consegue ser melhor que o próprio livro'?




É inegável que a saga criada por J.K. Rowling foi um dos maiores fenômenos culturais/literários de todos os tempos. Milhões, senão bilhões, de pessoas se emocionaram e acompanharam com aptidão e interesse incríveis, as aventuras e confusões do bruxinho Harry Potter e seus fiéis amigos, Rony e Hermione.
Com um total de sete livros e oito filmes (o último foi dividido em duas partes), é também de conhecimento comum, que esta foi uma das franquias mais rentáveis da história contemporânea, tanto na literatura quanto no cinema. É com esse pedigree, que o último filme - ou seja, a última apresentação - da saga de maior sucesso de todos os tempos, Harry Potter e as Relíquias da Morte parte II (Harry Potter and the deathly hollows part II, EUA, 2011), estreou como se esperava que deveria estrear: como um meteoro.
Em menos de dezenove dias, o último filme da série arrecadou 900 milhões de dólares, batendo o recorde que anteriormente era de Avatar , de James Cameron. Este, além de proporcionar aos fãs e espectadores em geral o épico final escrito por Rowling, é também uma das mais curiosas das produções.
Pra começar, é o final, obviamente. Em segundo lugar, o diretor, David Yates, é o único a dirigir mais de duas produções da franquia Harry Potter. Chris Columbus dirigiu os dois primeiros e Yates os quatro últimos, como se os produtores estivessem, durante os episódios três e quatro, testando novos diretores, até que este foi escalado para comandar A Ordem da Fênix.
Curioso também, pois analisando-se a diretor e seus trabalhos anteriores, nota-se um desnível de qualidade cinematográfica. Da bomba cataclísmica que foi o quinto episódio, para o sensacional sexto filme, o monótona mas não menos divertida primeira parte do último, para então a complicada segunda parte.
Seria impossível analisar completamente esta produção, sem compará-la com todas as outras, e por falta do conjunto espaço/tempo, isso não será possível. Mas existem pontos que valem a pena serem ressaltados.
A começar pelo elenco. Durante os últimos anos, a saga Harry Potter, tornou-se conhecida por contar com um dos mais espetaculares elencos de qualquer filme Hollywoodiano. Com os atores do maior calibre do Reino Unido, o que criou um problema inusitado. Isso acontece pois o elenco é dividido em duas metades muito distintas: os adultos que ganharam os papéis coadjuvantes como os professores, vilões, aliados e enfim, e as crianças que obtiveram os papéis principais.
Ainda que os jovens Rupert Grint (Rony) e Emma Watson (Hermione) tenham melhorado suas técnicas dramáticas, tanto eles quanto o péssimo Daniel Radcliffe no papel de Harry Potter, ficam apagados diante da sombra de atores como Alan Rickman, Michael Gambon, Ralph Fiennes, David Twelis, Jason Isaacs, Brandon Gleeson, Kenneth Branagh, Maggie Smith, Helena Bohman Carter, e lá vai fumaça.
Dessa forma, o espectador sente-se irritado com as péssimas atuações dos garotos, e conta os minutos para ver os adultos em ação.
Outro dos grandes problemas enfrentados pela série, foi a mudança do compositor das trilhas sonoras. John Williams, conhecido por ser recordista de indicações ao OSCAR e por criar temas incrivelmente memóraveis (Star Wars, Jurassic Park, E.T. e Indiana Jones, por exemplo), escreveu as músicas dos primeiros três filmes apenas. E embora seu último substituto, Alexandre Desplat seja um músico de grande calibre, sua melodia não se compara a das primeiras aventuras do bruxinho Harry.
Neste filme, o brilho é quase todo de Alan Rickman. Após ganhar o papel de Severo Snape que previamente era de Tim Roth, ele deitou e rolou nos últimos dez anos, interpretando o professor que todos temem ter. E neste último empreendimento, seus dotes Shakesperianos são levados a um novo nível. E como se ele já não fosse uma das melhores coisas de todos os filmes, neste ele pega-o, dobra-o, coloca-o no bolso, e o leva embora.
Ainda assim, seus companheiros de cena Maggie Smith (profª McGonagal) e Ralph Fiennes que se entregou de forma assustadora a um dos personagens mais malígnos de todos os tempos, Lord Voldemort, tiveram apresentações memoráveis.
Os efeitos especiais também alcançaram um novo patamar. Nesta história, Harry, Rony e Hermione voltam para Hogwarts com o objetivo de encontrar e destruir as últimas Relíquias da Morte, o que inevitavelmente culmina numa batalha de proporções bíblicas, dentro do portão da escola, gerando assim, incríveis cenas de ação, e momentos de pura poesia visual.
Com apenas 130 minutos, este é um dos menores filmes da série, mas pela imensa quantidade de explosões, luzes e barulhos, não parece assim. Harry Potter e as Relíquias da Morte, pt II, é uma experiência quase exaustiva, ainda que com momentos de humor bem colocados.
O que diabos deu errado então? Essa é uma pergunta que muitos - até mesmo os que se emocionaram com a atuação de Alan Rickman, e com as últimas cenas do filme - devem ter feito a si mesmos.
Pela primeira vez em muito tempo, um filme baseado em um livro foi melhor do que o próprio livro. Isso por que na sétima obra, a autora J.K. Rowling pareceu perder completamente sua linha de raciocínio e escreveu quase 700 páginas do que foi um dos piores - senão o pior - livros da série.
O final apático e raso, deixou muitos com o coração partido. Mas o problema se estende a cavernas e calabouços mais profundos dentro da mente da autora. E que são difíceis de explicar, sem dirigirem-se à mais brutal franqueza.
O maior problema da série Harry Potter, é o próprio Harry Potter. Com um personagem fraco, infantil, pouco inteligente e dependente de todos os outros personagens, fica difícil torcer por ele, ainda mais quando todos os outros personagens que nós verdadeiramente amamos, perdem suas vidas para salvá-lo.
Harry lembra em muitos aspectos, o personagem Shinji, do anime Evangelion. Rapaz mirrado, inseguro e deprimido que é colocado em situações extraordinárias, Shinji em muitos momentos tem crises de consciência em momentos de brutal importância, que fazem o espectador querer entrar na televisão e lhe dar um chute na cabeça.
Com o jovem Harry não é diferente. Muitas das situações de vários dos livros, só acontecem devido a sua incompetência ou falta de raciocínio lógico - como *spoilers* a morte de seu padrinho Sirius Black no quinto livro, que só ocorreu por causa dele *spoilers*.
A condescendência da autora com sua criação favorita também é outro problema, pois ele não consegue fazer praticamente nada, sem a ajuda de seus amigos e professores. Ou pior: da incompetência dos próprios vilões. Isso claramente faz com que a autora fielmente confie na burrice do leitor/espectador, o que é uma tremanda sacanagem.
E consequentemente ela trai a memória do próprio personagem que ela criou, e que ela amou durante todos esses anos. Conforme os muros de Hogwarts caem, consumidos pelas explosões e inimigas e os personagens tão amados perecem diante de seus adversários, a sensação que o leitor ou espectador tem, é que eles morreram em nome de alguém que não merecia. E que nós, leitores e espectadores que tanto nos emocionamos, rimos, choramos e nos angústiamos à espera da épica conclusão da saga, merecíamos coisa melhor.


quarta-feira, 20 de julho de 2011

Enfim, o Fim!





Embora geralmente haja um acordo consensual e subscrito entre os autores deste blog para não se fazer duas resenhas sobre o mesmo filme, terei que quebrar nossa própria regra em nome de um bem maior: o adeus à infância proporcionado pela conclusão da saga escrita por J.K. Rowling.


Demorei para postar esta resenha, é verdade. Mas isso porque é impossível não encarar a estréia deste filme com certa tristeza. É como o anúncio de que a infância de toda uma geração chegou ao fim. Essa é a sensação que tive ao terminar de assistir, há apenas alguns dias, ao filme Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows - Part 2, EUA, 2011). É com certa tristeza que percebo que a saga (de filmes) que começou em 2001 chegou finalmente a uma conclusão após 10 anos de amadurecimento, tanto para seus personagens como para os ávidos telespectadores que acompanhavam a vida de Harry e seus amigos. É até meio estranho pensar que estivemos acompanhando o crescimento de Harry, Rony e Hermione (e de todos os personagens jovens, assim como os atores) até se tornarem o que são hoje: jovens adultos de sucesso. Sinto-me ligeiramente stalker (termo famoso em inglês, quem não conhece: Google existe para isso). Será que sou só eu? Mas voltando à resenha, Harry Potter é considerada a saga de maior sucesso da história cinematográfica. E isso não é pouca coisa. Mas voltando ao trágico fim da série, você pode ler a resenha da primeira parte do filme (Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1) aqui e à resenha do meu parceiro-bloggeiro sobre este segundo longa-metragem, aqui. Vale ressaltar que o texto a seguir irá conter informações específicas sobre a trama do filme (spoilers). Se pretende ver o filme e quer se surpreender, não leia (se bem que se você já leu o livro, já sabe o que vai acontecer, então vá em frente, leia e comente!).
A história de Relíquias da Morte - Parte 2 continua do ponto em que o primeiro filme acabou. Na cabana isolada onde Dobby morreu e foi enterrado por Harry. Eu, pelo menos, não me lembrava direito do final do último filme, o que é um ponto negativo já que a continuação é diretamente relacionada com os últimos acontecimentos do longa anterior. De lá, temos pouca enrolação atéo início da ação. A invasão à Gringotes (vale dizer que a segurança é absolutamente risível se analisar que é o único banco do mundo bruxo e que é considerado 'impenetrável') é bela e rápida o que dá ao espectador a sensação de urgência pretendida. De lá vamos para Hogwarts e da escola não saímos até o derradeiro fim do longa-metragem.
Pra ser sincero nem vou me dar ao trabalho de comentar as cenas e a história. Já houve tempo para todos os verdadeiros fãs da série assistirem ao filme e todos já sabem o que acontece. Em compensação acho que devo comentar sobre a fraquíssima atuação de Daniel Radcliffe - que apesar de ter tido a melhor atuação dele em qualquer filme de Harry Potter, está longe de ser considerada absolutamente boa. Os outros protagonistas interpretados por Rupert Grint e Emma Watson ainda se salvam por um pouco mais de emoção e química entre seus personagens. Em compensação a um personagem título interpretado por um ator ruinzinho, para dizer o mínimo, tem-se um elenco de apoio incrivelmente bom, com astros como Alan Rickman, Maggie Smith, Jason Isaacs e Ralph Fiennes, entre outros.
Na verdade, algumas das cenas mais interessantes e memoráveis deste filme giram em torno deste elenco mais velho e talentoso. Maggie Smith está de volta ao papel, depois de ser esquecida pelos últimos dois ou três filmes, com um vigor divertido e um humor tipicamente britânico que levava os espectadores a explodir em gargalhadas nas poltronas escuras do cinema. Contracenando bastante, com ela e com todos os outros, está Matthew Lewis, também trazendo mais talento e humor do que o protagonista da série. Seu Neville finalmente superou (quase) completamente a fase pateta em que esteve durante toda a série de livros e filmes e acabou por marcar o final da saga.
É impossível não comentar nesta resenha sobre as atuação magníficas, exuberantes, excepcionais de Alan Rickman e Ralph Finnes. Finalmente o Professor Snape de Rickman recebeu a atenção que sempre mereceu. Numa atuação emocionante que fez pessoas soluçarem nas poltronas ao meu redor (e fez um grande amigo meu chorar de raiva pelas implicações da relação Dumbledore/Snape), Rickman mostrou a que veio neste último filme da série, colocando seu talento para fora mais claramente do que nunca. Snape nunca foi um personagem amado nos filmes até a cena em que finalmente morreu nos braços de Harry. E quando então o cabeça-oca-que-possui-cacatriz finalmente visualiza as memórias daquele a quem sempre odiou, é impossível não se emocionar na cena mais tocante presente nas pouco mais de duas horas de filme, compreendendo que aquele a quem temia e desprezava era na verdade seu maior protetor, ainda maior que o aparentemente super-protetor Dumbledore. Ralph Fiennes por outro lado sempre ostentou seu talento no papel do sádico-bruxo-sem-nariz-autodenominado-Lord-Voldemort e neste último longa da série não fez feio: mostrou um lado ainda desconhecido e ainda mais assustador do personagem, um lado ligeiramente humano. A cena em que Voldemort por fim abraça Draco Malfoy (o quase inexistente Tom Felton, que mal aparece) apenas mostra o quão estranha é aquela cena, pois o bruxo das trevas não sabe abraçá-lo. Suas risadas maníacas e atitudes hostis e de surpresa ou medo apenas realçam esta interpretação da humanização da personagem.
Da mesma forma, Michael Gambon, Helena Bonham Carter e Evanna Lynch também estão ótimos, apesar das participações diminutas. Gambon aparece brevemente ao final do roteiro, contracenando (explendidamente, diga-se de passagem) com Rickman em discussões sobre a morte de Harry e a forma como o garoto deveria morrer. Bonham Carter mal aparece, apesar de ser uma excepcional atriz e sua morte é uma das mais, com o perdão da palavra, broxantes da história do cinema. Evanna Lynch é mal aproveitada apesar de encarnar com franqueza e talento a personagem Luna Lovegood, sempre fazendo uma pequena aparição aqui e ali.
O filme tem praticamente duas horas de duração, mas muito deste tempo é desperdiçado com cenas de ação desnecessárias que poderiam ser melhor utilizadas no aprofundamento da parte emocional do roteiro (como exemplo cito a morte de um dos gêmeos Weasleys e as mortes de Lupin e Tonks, ambas mostradas por literalmente uns dois segundos cada). "Como David Yates pode dar tão pouca importância à morte de personagens que tanto amamos?", me perguntei ao ver essa cena. É triste ver esse tipo de descaso com um dos personagens mais interessantes e divertidos da série. Em compensação temos uma cena de 10 minutos com Harry e Voldemort voando (sim, voando) por cima e por dentro de Hogwarts, em estado meio-dissolvido/meio-sólido numa aparatação incompleta que sabe-se lá o que quis dizer. Cena desnecessária e cansativa, diga-se de passagem.
Um dos pontos positivos do filme foram os efeitos especiais. A cena de Hogwarts sob ataque, com a cúpula de proteção se desfazendo e o castelo em chamas definitivamente vai provocar arrepios nos fãs. A ótima trilha sonora também é válida para intensificar estes efeitos e sensações. David Yates se arriscou ao aceitar dirigir este longa. Óbvio que é impossível agradar a todos os fãs, mas de fato deveria ter sido dada mais atenção à parte emocional deste filme (com tantas mortes e perdas, é excruciantemente o filme mais emocional da série). Por outro lado, tem se tornado comum encontrar filmes nos cinemas atualmente em que o roteiro não presta e as cenas de ação se estendem indefinidamente como se pudessem tapar buracos numa história fraca com tiroteiros e explosões (vide Transformers 3).
O epílogo, bom, nem vale a pena ser comentado. Fraco, chato e sem sentido, assim como no livro. E infelizmente mal-feito também. A maquiagem não convenceu e fechar a cena final na cara de Harry acabou com a graça de se ter um epílogo. Bem melhor seria fechar a cena com o Expresso de Hogwarts partindo.
Como disse no começo desta resenha, dizem que este é o fim de uma era. Uma era de Harry Potter. Mas não creio que seja. Creio que é apenas o começo de uma Nova Era. Uma Era em que Harry Potter vai ser apenas uma lembrança de toda a magia do mundo, marcando nossas memórias para sempre. O fim chegou, como sempre chega. E a todos que viveram estes tempos mágicos nada resta a não ser voltar a mergulhar nesta história quando se sentir nostálgico. Apesar de todos os problemas da série (me refiro à de livros e de filmes), é impensável esquecer Hogwarts e seus ocupantes. Afinal, como diz Dumbledore, Hogwarts estará sempre lá para aqueles que dela precisarem.


"Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2". Título original: "Harry Potter and the Deathly Hallows - Part 2". Ano: 2011. Nacionalidade: EUA. Diretor: David Yates. Roteiro de: Steve Kloves, J. K. Rowling. Produzido por: David Barron, David Heyman, Debbi Bossi, J.K. Rowling. Estrelando: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Ralph Fiennes, Alan Rickman, Bonnie Wright, Tom Felton, Matthew Lewis, Helena Bonham Carter, Jason Isaacs, Michael Gambon, Maggie Smith. Música de: Alexandre Desplat. Duração: 130 min. Resenha escrita por: Guilherme R. Aleixo. Nota: 8,5/10.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Sólido Abismo






Phillip Reeve construiu, em Mortal Engines, um universo denso, detalhado e perturbador, onde cidades andam sobre esteiras comendo umas as outras.


Phillip Reeve nasceu em Brighton na Inglaterra, em 1966. Trabalhou como ilustrador de diversas obras infantis, antes de publicar seu primeiro romance, em 2001, chamado Mortal Engines (Mortal Engines, 2011, Editora Novo Século, Osasco, 279 páginas, R$ 26,90), o primeiro de uma série de quatro livros, também conhecidos como Hungry Cities Chronicloes.


Num futuro longínquo, povos tecnologicamente muito avançados da civilização humana foram completamente aniquilados por uma guerra conhecida como Guerra dos Sessenta Minutos, que transformou o planeta Terra em um mundo pós-apocalíptico, onde imensas cidades foram colocadas sobre esteiras e rodam mundo àfora, a procura de presas: outras cidades. As gigantescas construções tracionadas literalmente devoram umas as outras, transformando seus sobreviventes em escravos, no que ficou chamado de Darwinismo Municipal.


É nesse contexto em que Londres vaga pelo deserto,e onde surge o protagonista: Tom Netsworthy. Tom é um mero aprendiz de classe subalterna, quase, que trabalha em um "Museu de História Natural" da Londres criada por Reeve. Depois de ser repreendido por seu superior, após observar a sangrenta caçada de sua cidade a um povoado menor, ele é enviado aos níveis inferiores para ajudar Thaddeus Valentine e sua maravilhosa filha, Katherine, a encontrarem relíquias outrora guardas nas cidades engolidas, chamadas de Old Tech -fragmentos da tecnologia dos povos antigos que foram dizimados à milhares e milhares de anos.


Durante sua busca, os três são confrontados com uma misteriosa garota chamada Hester Shaw. Em um golpe súbito ela tenta matar Valentine, mas é frustrada por um corajoso Tom que se põe em seu caminho. Ele sai em perseguição de Hester que pula para o abismo frio e sombrio das terras abaixo de Londres. Quando Tom conta a Valentine o que aconteceu, este o empurra rumo à morte certa, sem a suspeita de ninguém, pois não havia ninguém - especialmente sua filha - para ver o que aconteceu.


O rapaz obviamente sobrevive, assim como Hester, e ambos correm para alcançar Londres novamente: Hester para concluir sua missão de matar Valentine, e Tom para descobrir o que diabos aconteceu.


Durante sua jornada, Tom descobre que os pais de Hester foram brutalmente assassinados - diz ela - pelo próprio Valentine, que além de tudo lhe desferiu um golpe no rosto, que agora possui uma enorme cicatriz que percorre todo o seu rosto. Também descobrem que a cidade adquiriu um antigo artefato Old Tech chamado de MEDUSA, algo deixado pelos antigos que pode muito bem ter destruído o mundo milênios no passado.


A história é contada em duas narrativas paralelas: uma acompanha Tom e Hester, durante o encontro dos personagens mais inusitados, dos inimigos mais assustadores e das perseguições mais perigosas. A outra acompanha Katherine, filha de Valentine, que procura desesperadamente descobrir a verdade sobre seu pai, e sobre a misteriosa garota que tentou matá-lo.


Ambos os protagonistas das duas narrativas, Tom e Katherine, são perfeitos cidadãos londrinos, inteiramente mergulhados em sua sociedade: uma sociedade consumista e autodestrutiva, não muito diferente da nossa. Mas conforme seus destinos vão chegando ao fim, eles vão percebendo a cruel realidade por trás das pessoas que conheciam, e da vida que tinham.


Obviamente surgem histórias de amor no decorrer do livro. Tom por Katherine, embora ambos estejam separados por centenas de quilômetros, e ela acredite que ele esteja morto. E surpreendentemente de Hester por Tom, que formam uma confusa, conturbada e emocionante amizade.


O ritmo imposto por Reeve é frenético. Durante as quase trezentas páginas há uma profusão de perseguições, conflitos, tiroteios e explosões, para aqueles que não aguentam ficar duas páginas parados. Também é uma analogia as próprias cidades, e mais ainda, à vida no século XXI, transmutável, turbulenta e imparável.


Tom, Hester e Katherine encontram aliados pelo caminho? Sim. Mas ao contrário da maioria das narrativas infanto-juvenis (com exceção talvez, de Garth Nix), não há condescendência do autor com seus personagens. Eles terão que contar com sua coragem, perspicásia e inteligência para sobreviverem. E embora esta seja uma obra categorizada como "infanto-juvenil", Mortal Engines esbanja violência, e seu final (ao menos do primeiro livro), pode ser perturbador.


Mais contrária ainda, à onda da literatura adolescente, não há final feliz em Mortal Engines. Tampouco poderia haver, em uma história de autodestruição como esta. E nos faz pensar qual é o futuro da nossa sociedade que caminha paulatinamente rumo ao precipício. Reeve diz muito bem o que aconteceu conosco, nossa civilização. Foi destruída, vítima de nossa própria imbecilidade, reduzida a sombras e histórias. E cujos erros, os homens do futuro teimam em repetir.


Dessa forma, a obra surge como um sopro de originalidade em um mercado que começa a mostrar tendências de saturamento. Seu universo rico e complexo, seus personagens cativantes, suas sequências de ação intensas e seus destinos perturbadores, farão o leitor grudar em cada uma de suas páginas.


Houve o boato, em dezembro de 2009, que o cineasta neozelandês, Peter Jackson, iria filmar a obra em 3D. Isso, entretanto, permaneceu somente um boato, perdido em algum lugar na sombra e no escuro, proporcionando nada mais do que espectativa. No Brasil, restam ainda três livros a serem publicados. Qual o destino que Reeve dará para Tom e Hester, é impossível dizer até lá. Já o restante da civilização humana pereceu há muito tempo.



Foi lançada também uma resenha no portal do Terra Magazine, escrita por Roberto de Sousa Causo. Ela pode ser lida através do link abaixo:








quarta-feira, 13 de julho de 2011

O tempo que nos é dado





Woody Allen retorna à boa forma com Meia Noite em Paris, com um elenco espetacular e uma das melhores histórias de sua carreira.

Woody Allen é certamente um dos melhores e mais respeitados diretores e roteiristas da história de Hollywood. Já venceu 3 OSCAR (dois por Noivo neurótico, noiva nervosa e um por Hannah e Suas Irmãs nos anos de 1978 e 1986 respecitvamente). Sua inigualável criatividade e capacidade de escrever/filmar filmes com uma velocidade impressionante, lhe renderam milhões de fãs devotados ao redor do mundo.
O diretor nascido no Brooklyn em 1935, sempre se revelou melhor nas comédias do que em filmes dramáticos: Match Point e O Sonho de Cassandra, embora relativamente bons (ou ao menos detentores de seu fan club), decerto não estão nem perto de seus melhores trabalhos. Os mais recentes, aliás, mostram uma tremenda queda de qualidade de sua produção.
Com Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, EUA, 2011), ele parece ter retornado à boa forma. Com um elenco estupendo - aliás como de costume -, composto por Owen Wilson, Rachel McAdams, Adryan Brody, Kathy Bates, Michael Sheen e outros.
Wilson, recuperado dos recentes casos de tentativa de suicídio e internação por uso de drogas, faz uma mímica perfeita do próprio Woody Allen, interpretado Gil Pender, um jovem roteirista de Hollywood que está em Paris com sua noiva Inez (McAdams), enquanto os pais dela estão viajando a negócios. Ele trabalha em seu primeiro romance e é um verdadeiro bisonho que possui a noção romântica e nostálgica de uma Paris dos anos 20 na chuva, como o local ideal pra se viver.
Lá eles encontram o fantástico e não menos irritante Paul (Michael Sheen), um sujeito incrivelmente culto e antigo amigo de Inez, que os leva por um tour nas principais galerias e museus franceses, Versalles e por aí vai. Durante um desses passeios, ele se enche e deixa a noiva nas mãos de Paul, saindo para voltar ao hotel a pé na Paris noturna. No meio do caminho, obviamente se perde, e acaba se sentando aos pés de uma pequena igreja de uma ruazinha escura. Quando bate meia noite, um carro antigo passa por ele e os passageiros o convidam para entrar: mal sabe Gil, que ele acaba de cruzar um portal justamente para a Paris dos anos 20, que ele tanto sonhava, dando-lhe a oportunidade de conhecer seus maiores ídolos, F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Gertrude Stein e por aí vai.
O que a princípio torna-se um tremendo choque, logo revela ser a oportunidade de Gil, de conhecer as pessoas que ele mais admira, e a possibilidade de melhorar seu romance e de admitir seus erros.
Esse é, provavelmente, uma das histórias mais agradáveis e inventivas de Allen em muito tempo. A direção é divertida como de costume, e atuação de Owen Wilson, uma surpresa. Entretanto, a fotografia do Iraniano Darius Khondji merece uma mensão especial: durante o tempo em que Gil passa em sua época, ela é relativamente simples e bastante clara. Entretanto, toda vez que ele dá um pulo para o passado, ela se torna escura e envolvente com detalhes em dourado. Quase noir.


Até certo ponto do filme, Allen dá a impressão de estar indo numa direção totalmente errada. Mas próximo do final, a grande lição surge: de que não existem tempos melhores, mais belos ou mais especiais do que aquele em que estamos vivendo. Cada geração possui seus Hemingways, seus Fitzgeralds, seus Dalís, seus gênios e seus criadores, que inevitavelmente vêem sua época como uma era monocromática e sem imaginação, criando a doce ilusão de que um tempo longínquo pode ser melhor.


No fim, talvez seja melhor sermos felizes com e no o tempo que nos foi dado. Não adianta olhar para as estações passadas esperando pelo seu retorno, pois elas seguem sempre em frente, cada uma com suas nuances, anomalias e qualidades. E nem sempre os mais sábios conseguem enxergar os dois lados.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Como tudo é pequeno...




Arrietty dos estúdios Ghibli, é mais uma de suas maravilhosas e emocionantes narrativas fantásticas, que nos lembram que as portas para a fantasia ainda existem.



Arrietty (Kari-gurashi no Arietti, JAP, 2010) é uma menina de quatorze anos que vivem em um submundo mínusculo debaixo de uma casa numa província do Japão chamada Konagei, a oeste de Tókio. Ela vive com seus pais em uma casinha não muito maior do que uma caixa de sapatos. Os pequeninos tem mais ou menos a altura que lhes convém a capacidade de viver numa casa de bonecas, roubando pequenos utensilhos humanos como presílias, alfinetes, comida e tudo o mais que lhes for útil.
Durante uma de suas escursões com seu pai, ela acaba sendo descoberta por um menino habitante da casa. O garoto sofre do coração, e vive com a avó, uma velha rabujenta e uma gata gorda, e não tem o menor medo dos pequenos habitantes.


Daí, obviamente mas não menos interessante, nasce um amor impossível, como aliás, é de costume na maioria dos filmes Ghibli. Isso não torna a narrativa menos emocionante, ou menos melancolica. Do amor que brota entre a jovem Arrietty de cabelos ruivos e o garoto habitante da casa, brota também o perigo: a velha rabugenta procura desesperadamente os pequeninos e acaba raptando a mãe de Arryetty. Começa então, uma busca implacável para resgatá-la.


Adentrar no universo dos pequenos seres habitantes da casa, é como entrar em um conto de fadas. Tudo é lindo e colorido, e o olhar apurado do diretor estreante, Hiromasa Yonebayashi, mostram como é dura a vida das criaturas pequenas, em sua tentativa de sobreviver a pragas como ratos, gafanhotos, corvos ou mesmo uma gata gorda e sem vergonha.


A história é baseada em um romance da autora Mary Norton, chamado The Borrowers e você já deve ter visto algo semelhante em Os Pequeninos (1997), estrelado por John Goodman. Entretanto, o universo daqueles que vivem entre as frestas das paredes, debaixo do chão ou dentro dos armários não nasceu para ser contada na forma de pessoas de verdade, e é na animação que ela encontra seu próprio lar.


O filme retém todas as qualidades e características de um filme Ghibli: a animação é impecável, com o mínimo de recuros digitais possíveis. Os movimentos são fluídos e os detalhes transbordam. Desde um prego usado como bengala, a um alfinete usado como arma, todos os objetos que consideramos desncessários ou ínfimos, ganham novas proporções no mundo de Arrietty.


A música é composta por Cécile Corbel embora apresente momentos muito bonitos e delicados, não foi feita para sustentar momentos de suspense, ou proporcionar temas memoráveis. Mas ainda assim cumpre bem a sua função.


Arrietty é mais uma das grandes personagens das animações Ghiblenianas. De Shihiro, Kiki, Mononke, Chita e Nausicaa, são as personagens femininas quem conduzem a ação, e, embora mantenham sua feminilidade, esbanjam coragem e força nos momentos necessários.


Isso não significa que não haja personagens masculinos na trama. O menino habitante da casa também sabe agir quando necessário, e será fundamental para a sobrevivência de Arrietty e sua família. Devido a sua condição física, suas ações são um tanto sonolentas, o que dá - de vez em quando - vontade de dar um chute em sua cabeça, como Ikari Shinji mereceu em incontáveis vezes durante a saga Evangelion. Entretanto, ao contrário do piloto de robôs do cineasta Hideaki Anno, aqui, o garoto possui força e coragem, embora seu coração seja fraco.


Os fundadores do estúdio, Hayao Miyasaki e Isao Takahata nasceram em 1941 e 1935 respectivamente. Conforme a velhice finalmente os abate, novos cineastas como Yonebayashi (de 36 anos), aparecem para tomar o seu lugar. Mas não se assutem, o futuro da Ghibli está em boas mãos. Arrietty foi assistida por 7,5 milhões de pessoas no Japão; um recorde.


Apesar do tropeço de Goro Miyasaki, Tales from Earthsea, o estúdio conhecido por proporcionar animações memoráveis, parece ter acertado a mão mais uma vez. E já não era sem tempo. Em um ano repleto de continuações, um pouco de originalidade sempre é bem vinda. E apesar de Miyasaki estar planejando adaptar essa história há 40 anos, ela continua se mantendo atual, como provavelmente sempre será.


Afinal, somos todos pequenos quando confrontados com alguma coisa maior do que nós. Mas o coração do Homem, embora frágil, é imenso.