segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Porta das Sombras




A Sangue Frio de Truman Capote é mais do que um marco da literatura do New Journalism. É um retrato sobre o interior do Homem, e os fantasmas que o assombram.




Stephen King uma vez escreveu: “Monstros são reais. Fantasmas são reais também. Vivem dentro de nós, e, às vezes, eles vencem”. Considerado pioneiro no ramo do New Journalism, Truman Capote (1924-1984) decidiu no romance de não ficção A Sangue Frio (
In Cold Blood, Truman Capote, 1966) investigar os fantasmas que vivem dentro do coração da América.


No dia 15 de Novembro de 1959, o assassinato de quatro pessoas da mesma família chocou a comunidade de Holcomb, no Kansas. Herb Clutter, sua esposa Bonnie e seus dois filhos, Kenyon e Nancy foram encontrados amarrados e mortos com tiros de espingarda na cabeça.

Capote, em meticulosa pesquisa jornalística, narra quase 6 anos entre a morte dos Clutter e a captura e condenação dos dois criminosos responsáveis, Perry Smith e Richard “Dick” Hitchcock, culminando na execução de ambos em 14 de abril de 1965.


Mesclando a objetividade jornalística testemunhada por extensa pesquisa de fontes, documentos e entrevistas, com a subjetividade literária, pela suposição de eventos que jamais poderiam ser confirmados (como diálogos entre a família Clutter que só eles poderiam saber e a narração de pensamentos de determinados personagens), Capote criou um panorama completo dos eventos ocorridos naquela cidade em 1959.


Os traços góticos e as sombras de Edgar Allan Poe, presente nos contos de Capote são inexistentes em A Sangue Frio. A narrativa começa fragmentada e com ritmo acelerado, gerando o suspense que culmina com a identificação dos criminosos. Desse ponto em diante, a narrativa torna-se mais sóbria, focando-se nos prisioneiros e detetives durante o processo que durou quase 5 anos.


A figura central do livro é a de Perry Smith. Talvez pela sua trajetória conturbada, marcada pela mãe alcoólatra e o pai violento, dois irmãos suicidas, várias visitas a orfanatos e um acidente de moto em que ele fraturou ambas as suas pernas, Capote tenha decidido focar-se nele. Talvez tenha tido dificuldades com o parceiro de Perry, Dick, divorciado e pai de três filhos. Contudo, em certa ocasião, Capote afirmou ter se identificado com Perry Smith: “É como se nós tivéssemos crescido na mesma casa. Só que eu saí pela porta da frente e ele pela dos fundos”.


O grande mérito de Capote foi explorar ao máximo as complexidades dos dois criminosos, em seus pensamentos, atitudes, nuances, falhas, desejos secretos, impulsos reprimidos e inclinações criminosas. Com o uso tanto da literatura, quanto do jornalismo, dando a oportunidade para várias vozes contarem a história, ele compôs um retrato nítido que, por vezes, torna a narrativa densa e pesada. Como a escuridão que se abateu naquela casa quando a família Clutter foi assassinada.


Entretanto, a derradeira questão que o livro aponta é o que faz duas pessoas aparentemente sãs cometerem atos de violência tão insanos? A pergunta que assombra as profundezas do coração humano permanece tão sem resposta quanto há 50 anos atrás. Contudo, em A Sangue Frio é possível ver com incrível nitidez, o fantasma de Perry Smith, em sua antiga casa em Nevada, saindo pela porta dos fundos.


“Derramamos mais lágrimas pelas preces atendidas do que pelas não atendidas” – Truman Capote.

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