sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Deus-Demônio do Rio




Clássico de Francis Ford Copolla, é uma viagem sobre o rio da loucura. [atenção, esta resenha contém *spoliers*]


Dirigido por Francis Ford Copolla, da trilogia O Poderoso Chefão, Apocalypse Now estreou no Brasil em outubro de 1979 e tornou-se o ícone de uma geração pós-guerra do Vietnã. Em 2001, ganhou uma versão especial com 49 minutos nunca exibidos nos cinemas. Ambientado em 1969, o filme acompanha a travessia do Capitão Willard (interpretado por Martin Sheen) pelo ficcional rio Nung na selva vietnamita. Sua missão é encontrar - e matar - o coronel Kurtz (Marlon Brando) que se estabeleceu como deus de uma tribo local.
Copolla inspirou-se no romance O Coração das Trevas, de Joseph Conrad. As obras não parecem ter muito em comum: o filme é ambientado na Guerra do Vietnã, e o romance, publicado em 1902, trata da colonização europeia no Congo Belga e da brutal extração de marfim e borracha da selva africana. A figura central das duas narrativas é Walter Kurtz, indivíduo enigmático que o protagonista Willard (no livro Marlow) precisa encontrar. Mas sua missão no filme é matá-lo, enquanto no livro é de tirá-lo da selva.
Outra figura importante é um personagem que nunca assume forma humana: o Deus-Demônio do rio que Marlow e Willard singram, símbolo dos abismos da loucura, do horror trazido pela guerra - e pela exploração colonialista. Exploração que foi uma das mais brutais da história, sob o comando do Rei Leopoldo II. Nos dois casos, colonialismo europeu e imperalismo americano, têm-se a imposição de valores ocidentais sobre países do Terceiro Mundo, pelo uso da violência subvencionada pelo Estado. O horror vem do choque entre as justificativas morais do ocidente, da elevação do Terceiro Mundo, e da prática: a realização dos objetivos a qualquer custo, através da violência a mando do Estado. Diante dessa violência, presenciada e cometida por Kurtz, ele enlouquece. Em sua loucura, torna-se inconveniente por explicitar a prática imperialista por meio da violência e precisa ser "removido".
Situações absurdas - como a de um oficial que extermina uma vila praiana para poder surfar em paz, "coelinhas" da Playboy enviadas à selva para o delírio dos soldados, e o massacre a civis inocentes - são mostradas às claras, em cores vibrantes que ressaltam uma paisagem surreal marcada pelo fogo, o sol e as florestas primordiais.
*spoilers* - início
A maior diferença, porém, está na conclusão. Diante de Kurtz, Willard e Marlow são jogados no abismo mais profundo de suas almas, mas de formas diferentes. No encontro de Marlow com Kurtz, este está doente e à beira da morte (que acontece durante a jornada de volta). Já Willard cumpre a missão de matar o coronel e tem a oportunidade de assumir o lugar dele na tribo, mas não o faz. Recusa o papel de deus arbitrário, e parte, anulando a ordem de bombardear a cidadela e voltando à escuridão do rio, assombrado pelas últimas palavras de Kurtz em ambas as histórias: "O horror..O horror...".
*spoilers* - término.
O mal. Ou o horror. Mas o mal está dentro de cada homem. Em situações em que a violência legalizada é ferramenta de dominação de um povo por outro, ele escapa de maneira avassaladora e segue o Deus-Demônio do rio, "parecendo levar ao coração de imensas trevas" (Joseph Conrad).

"Apocalypse Now". Título original: "Apocalypse Now". Nacionalidade: EUA Dirigido por: Francis Ford Copolla Roteiro de: John Milius e Francis Ford Copolla - baseado no romance "Heart of Darkness" de Joseph Conrad. Produzido por: Fred Roos, Gray Frederickson, Tom Stenberg e Francis Ford Copolla. Estrelando: Martin Sheen, Marlon Brando, Dennis Hopper, Lawrence Fishbourne. Com Robert Duvall e Harrison Ford. Música de: Carmine Copolla e Francis Ford Copolla. Duração: 153 min (versão original), 203 min. (versão extendida). Resenha escrita por: Roberto F. F. Causo (para a faculdade Cásper Líbero). Nota: 10/10

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