segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O rei da cocada preta




Avatar de James Cameron, é uma mistura entre Pocahontas, O Último Samurai e O Coração das Trevas, só que em um mundo extraordinário, com seres azuis.

Existem poucas diferenças entre Avatar (Avatar, EUA, 2009) do diretor James Cameron, e as histórias já vistas em Pocahontas, O Último Samurai de Ed Zwick e O Coração das Trevas, romance de Joseph Conrad, que depois sofreu a adaptação de Francis Ford Copolla em Apocalypse Now de 1979.
O filme do diretor vencedor do OSCAR em 1997 por Titanic, parece uma congruência dessas três histórias. Num futuro distante, a humanidade alcançou a exploração espacial e descobriu o planeta de Pandora, um pequeno corpo celeste orbitando um gigante gasoso, onde existe um minério raro e muito precioso, chamado Onubtanium, capaz de gerar um campo antigravitacional. Para alcançar as grandes jazidas desse minério, os humanos devem primeiro passar por cima da população local, humanóides com mais de dois metros e meio da altura, azuis, chamados de Na'Vi. Para isso, com os avanços da tecnologia genética, são embrionados "avatares", corpos geneticamente modificados, usando DNA humano e alienígena, numa tentativa de encontrar uma solução "democrática" para os nativos.
Nesse futuro distante e colorido, o paraplégico Jake Sully (interpretado pelo carismático, Sam Worthington) deve substituir seu irmão gémeo que foi morto recentemente em Pandora, o único, além de Jake, capaz de operar seu avatar. Diante da grande quantidade de dinheiro oferecida pela companhia de extração do minério, e a possibilidade de voltar a andar, ele viaja durante seis anos até o planeta, onde incorporará o avatar de seu irmão e entrará em contato com os habitantes locais, os Na'Vi.
A história criada por James Cameron não acrescenta nada de novo, exceto pela maravilhosa construção do planeta Pandora, no distante futuro. Tudo, desde a linguagem ao bioma são impecavelmente bem realizados, o design das criaturas, das plantas e das paisagens, são de preencher os olhos, um dos melhores trabalhos em desenho de produção e direção de arte da história recente do cinema americano.
Contudo, a trajetória percorrida por Sully, da descoberta dos nativos até a identificação por eles, que culminará num grande gesto de amor, junta o romance de Pocahontas, com o convívio com o inimigo de O Último Samurai e as disputas da colonização europeia nos países do terceiro mundo, de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Contudo, Cameron, na maioria das vezes falha ao captar a mesma magia e singularidade vista em cada uma dessas obras.
A cultura criada para os habitantes nativos do planeta é extremamente rica em detalhes, assim como restante do roteiro. O bioma, a linguagem e os efeitos especiais em 3D, todos estão em seu devido lugar. Mas o filme falha ao criar uma tensão para o destino dos personagens, ou um envolvimento maior com eles. Falha no que todas as outras obras nas quais Cameron se inspirou (o que inclui "O Nome do Planeta é Floresta" de Ursula K. Le Guin) conseguiram: a análise profunda, introspectiva e moral que Cameron tanto quis ressaltar.
Avatar fala claramente sobre a colonização europeia em países como o Congo Belga, do massacre aos índios nativos nos EUA do século XVIII e XIX, uma dura crítica ao sistema capitalista e das grandes corporações (característica sempre presente nos filmes de Cameron) que tornam-se os verdadeiros governantes da sociedade do futuro, à preservação da natureza, etc. Contudo, o conglomerado de clichés e situações óbvias, acaba por tirar o seu brilho, fazendo com que o filme dependa mais em seus avanços tecnológicos do que na história propriamente dita.
Os efeitos tridimensionais são simplesmente incríveis. É recomendado o uso de uma sala com infalível sistema de som e imagem, como o IMAX, para total apreciação do universo incrivelmente rico, complexo e colorido que Cameron criou. Nesses aspectos, Avatar é um dos filmes de impacto visual mais proeminentes de todos os tempos.
Entretanto, a música de James Horner foi uma grande decepção, sendo uma experiência sonora extremamente alta, mas com pouca melodia e arranjos característicos do premiado compositor. A fotografia de Maurio Fiore, vencedor do OSCAR deste ano, é eficiente ao ressaltar os efeitos visuais criados para o filme, mas não chega perto da sofisticação e qualidade artística de muitos predecessores. A captação e edição do som também ficou a desejar, expecialmente para uma obra de tamanho impacto sensorial. O elenco, que conta com a presença de Sigourney Weaver, Michelle Rodriguez, Zoe Zaldana e o fabuloso Stephen Lang no papel do vilão, Quaritch é muito eficaz, embora merecesse maior aprofundamento.
Definitivamente não é o melhor filme de Cameron, que depois de O Exterminador do Futuro o Julgamento Final pareceu perder um pouco de sua característica rústica tanto apreciada pelos fãs da ficção científica de ação que Cameron ajudou a consolidar. Contudo, com um faturamento superior a 2 bilhões de dólares com Avatar e 1,5 bilhão com Titanic, seu trabalho anterior, James Cameron provou ser o diretor mais rentável de Hollywood, o que comprova a decisão da Academia de premiar a produção de baixo orçamento Guerra ao Terror, de sua ex-esposa, Katherine Bigelow, com um verdadeiro tiro do pé.
Da evolução do cinema que passou do filme mudo, para o sonoro, para o colorido para o tridimensional, ele cria a pergunta de: qual será o futuro do cinema, tal como conhecemos hoje? Mesmo assim, Avatar é um filme rico e bem elaborado, que apesar de todas as suas falhas comprova que Cameron é um dos maiores diretores de sua geração, e com os dois filmes de maior bilheteria na história, consolidado literalmente como o Rei da cocada preta. Deus salve o Rei da Cocada.

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