sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Comentário convidado - Na Contramão do Tempo

Por Finisia Rita Fideli


Considerado um dos maiores escritores norte-americanos do século 20, F. Scott Fitzgerald (1896-1940), despertou alguma atenção com seu primeiro romance, Este Lado do Paraíso, publicado em 1920, no início da chamada Era do Jazz. Contudo, ele foi mais famoso com seus contos, publicados em revistas prestigiosas de grande circulação, que permitiram que obtivesse suporte financeiro e reconhecimento popular, que se cristalizou como o romanceO Grande Gatsby, de 1925.


Suas histórias freqüentemente falam de jovens amantes sonhadores, heroínas "maluquinhas" e rapazes tristes, e muitos deles refletem aspectos de sua própria vida e de sua esposa, Zelda. Dentre seus 160 contos, muitos são considerados obras-primas, e ele foi um autor prolífico até sua morte, deixando um romance inacabado O Último Magnata, publicado postumamente em 1941.


"O Curioso Caso de Benjamin Button" faz parte de uma coletânea de 1922, Seis Contos da Era do Jazz, e parte de um pensamento do escritor Mark Twain (1835-1910), de que é uma pena que a melhor parte da vida venha no começo, e a pior no fim. No conto, o protagonista nasce aos setenta anos e vai remoçando progressivamente, embora viva uma vida normal, vá à escola e a faculdade, trabalhe, se case com a jovem Hildegarde, tenha um filho, e torna-se general de brigada. Aos 40 anos, em Harvard, ele tem o vigor dos 20 e consegue vencer os colegas do seu filho do time de futebol.


Benjamin Button não escapa das conseqüências devastadoras do tempo, apesar de seu progressivo rejuvenescimento, porque a deteriorização e a morte são impressas sobre ele pela experiência daqueles que o rodeiam. Fitzgerald escreveu o conto como uma piada, mostrando o lado grotesco de ser um jovem com a experiência de um velho.


A glorificação da mocidade é prevalente na ficção de Fitzgerald. O culto da juventude era abraçado pela maioria de seus leitores, e sustentado pela imaginação americana nos anos 20, fenômeno que só se repetiu em meados dos anos 50, com o advento dos beats, dos "delinqüentes juvenis" e de Elvis Presley.


Quase todos seus personagens vivem intensa e irresponsavelmente, buscam o que a vida oferece de melhor. São românticos e passionais, e morrem cedo. Como Gatsby, como o próprio Fitzgerald.


Inspirado na história de Benjamin Button, o cineasta David Fincher convocou o extraordinário roteirista Eric Roth (de ForrestGump) e o ator Brad Pitt (num desempenho soberbo), com quem já havia trabalhado em Clube da Luta (1999), e criou uma fábula arrebatadora sobre um bebê que nasce no último dia da primeira guerra mundial e causa a morte de sua mãe. Feio e enrugado, ele tem características físicas de um octogenário: sofre de artrite e catarata e parece às portas da morte. Desesperado, seu pai (Jason Flemyng) o abandona em um asilo de idosos, onde ele é imediatamente adotado pela negra Queenie (Taraji P. Henson, impressionante) e pelos velhinhos do local. Benjamin sobrevive, e rejuvenesce um pouco a cada ano.


Aceito sem restrições e amparado pelos moradores do asilo, Benjamin recebe educação e afeto irrestritos, e conhece o amor na figura da menina Daisy, cuja avó ela visita de tempos em tempos. Seus caminhos seguem rumos opostos e a menina se torna uma bela mulher e bailarina talentosa, encarnada na fase adulta com o brilho de Cate Blanchet.


Na fase "adolescente", Button vai trabalhar em um barco com um capitão meio maluco (Jarred Harris), que o apresenta às alegrias dos bordéis e se torna um pai substituto. Ambos enfrentam o horror da Segunda Guerra. Na Rússia, Benjamin encontra uma versão madura do amor na pessoa da esposa solitária de um diplomata (Tilda Swinton). De volta à América, ele reencontra Daisy, mas os relógios de ambos estão defasados. Somente na faixa dos quarenta anos é que eles finalmente têm idade e aparência compatíveis e daí seu amor pode florescer. Nesta fase, o filme, até então fotografado em tons sombrios, se torna solar. As cenas de Brad Pitt pilotando uma moto, ou velejando na Flórida, onde os foguetes do Cabo Canaveral partem para conquistar o espaço, são puro arrebatamento. O charme do ator é explorado ao máximo, e seu jeito de eterno garotão americano serve como uma luva para nos convencer de que o sonho da eterna juventude de fato se realizou em Benjamin Button.


O filme, que acumula qualidades, é narrado através de um diário e das lembranças de Daisy, agora idosa num hospital em Nova Orleans (às vésperas do furacão Katrina), que as conta à sua filha Caroline (Julia Ormond). A adaptação de época perfeita nos transporta a uma jornada de quase um século (isso inclui vestuário, veículos, construções e trilha sonora).


A maquiagem é outro ponto forte, sutil e convincente, envelhecendo Brad Pitt, e através da computação gráfica "colando" seu rosto no corpo de diferentes crianças e adolescentes, e remoçando o ator progressivamente, fazendo o oposto com Cate Blanchet.


Os desempenhos são ainda mais que perfeitos, incluindo o elenco de apoio e um bando de velhinhos encantadores, um cachorro quase imortal e um homem que sobreviveu à queda de sete raios.


O filme recebeu 13 indicações ao Oscar e levou apenas três: Melhor Direção de Arte para Donald Graham Burt e Victor J. Zolfo; Melhores Efeitos Visuais para Eric Barba, Steve Preeg, Burt Dalton e Craig Barron, e Melhor Maquiagem para Greg Cannom.


É possível que o vencedor de Melhor Filme, o milionário vira-lata indiano, possa ter envolvido os votantes da Academia de Artes Cinematográficas com sua simpática proposta terceiro-mundista (com cenas de plágio descarado ao brasileiro Cidade de Deus do cineasta Fernando Meirelles), mas dificilmente esta fantasia emocionante da celebração da vida e do amor será superada nos anos vindouros.


O tempo dirá.


FinisiaFideli fez resenhas para as revistas Escrita e Dragão Brasil, e publicou ensaios em Cult e Ciência Hoje. Esta resenha foi publicada no portal do Terra Magazine e utilizada com autorização da autora.





2 comentários:

  1. Eu concordo plenamente. Benjamin Button é maravilhoso. Atuações deslumbantes de Brad, Cate e Taraji.

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  2. Pena que filmes assim caem na incompreensão. Mas Benjamin Button é eterno.

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