segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Não há calor na terra do frio



Filme estrelando Viggo Mortensen é uma compilação de paisagens apocalípticas, mas perde o sentido expresso no livro de Cormac McCarthy.




Comarc McCarthy é considerado um dos maiores autores americanos da atualidade, senão o maior e seu romance A Estrada, venceu o prêmio Pulitzer na categoria de melhor ficção. Isso faz com que o livro seja uma das obras mais difíceis de serem adaptadas cinematograficamente, não por suas complexidades técnicas, mas sim pelas morais, as que se escondem nas entrelinhas e nas profundezas da alma gelada do romance.


A Estrada (The Road, EUA, 2009) é dirigido por John Hillcoat, um australiano conhecido por filmes de faroeste, que se interessou em adaptar a obra de McCarthy quando ninguém mais o fez.


Talvez devesse ter permanecido assim, afinal, McCarthy é um dos autores mais difíceis de se adaptar com qualidade. Todos os Belos Cavalos, obra que inicia a trilogia Fronteiras, foi adaptada por Billy Bob Thorton e estrelando Matt Damon. Não passou de um filme bom, mas nada demais. Onde os Fracos Não Têm Vez (Onde os Velhos não Têm Vez na tradução original) foi adaptada pelos irmãos Coen e recebeu 4 vitórias no OSCAR, incluindo a de melhor filme.


Isso demonstra o potencial das obras do autor americano, mas também suas complexidades. Quando bem adaptadas, elas são vencedoras de prêmios da Academia, mas quando mal adaptadas tornam-se filmes banais, sem impacto ou profundidade.


É o caso de A Estrada.


Num futuro não muito distante, alguma coisa aconteceu. Provavelmente uma guerra nuclear, que devastou todo o globo, deixando um deserto de árvores mortas e prédios abandonados num eterno inverno. Nessa paisagem cinza e fria e hostil, pai e filho viagem pelas estradas americanas rumo ao norte, equipados somente com cobertores e um carrinho o qual empurram rumo ao litoral, sem saber o que encontrarão quando chegarem lá. No processo, são perseguidos por uma turpe de canibais, tudo o que restou da raça humana.


Por mais simples que seja a trama seja, ela esbanja profundidade e emoção, de uma maneira árida e gelada. A começar pela ausência de nomes aos personagens. Não há calor no mundo ao redor de ambos os protagonistas. Não há calor entre eles. Seus diálogos são frios e o destino deles é incerto. O menino, mais jovem no livro, pergunta constantemente ao pai, o que os difere daqueles que os perseguem.


Estrelando Viggo Mortensen no papel do pai, é difícil imaginar melhor escolha para o papel. E de fato ele proporciona uma atuação impressionante, mesclando-se ao ambiente árido e frio. Entretanto, com grandes nomes marcando presença em pontas, a atuação de Mortensen é ofuscada pelo desempenho assustador de Robert Duvall, irreconhecível como o velho que pai e filho encontram na estrada.


O maior problema do filme é sua tentativa quase constante de criar calor entre os personagens ou situações, coisa que não existe no livro de McCarthy. Uma das obras mais difíceis de se ler, criou uma tentativa frustrada de apresentar emoção entre o homem e sua esposa (Charlize Theron) ou ele e seu filho.


Não que isso seja errado. Mas neste caso, na tentativa talvez de, "poupar" o espectador de um filme que seria quase insuportável de ser assistido, Hillcoat e o roteirista Joe Penhall tentaram criar uma coisa que não deveria existir. O fogo, aquele que o menino carrega juntamente de seu pai, é uma chama pequena e trêmula, mas seu poder torna-se maior durante as páginas do livro, justamente pela ausência de quaisquer outras formas de luz.


E infelizmente, A Estrada perdeu a mensagem mais importante que havia no livro, e que o tornava uma das obras de ficção mais avassaladoras e emocionantes da história recente. O fogo é fraco, sua chama é baixa, trêmula e seu brilho, pequeno. Contudo, enquanto o mundo se foi, apagado pelo inverno, pela secura e pela violência, o fogo que mantém acesa a alma da humanidade continua aceso.

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