quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Doce Ilusão



Filmes como O Mágico de Sylvain Chomet, são raras provas de que existe um mundo além da PIXAR.




Houve um homem chamado Jacques Tati, que nasceu na França em 1907. Tinha 1 metro e 91 de altura, vestia uma capa meio beje toda armafanhada, a calça na altura do umbigo, e possuía uma capacidade extraordinária de entreter o público com suas mímicas sem som. Com apenas 9 créditos como diretor de filmes, ele foi elento o 46º melhor diretor de todos os tempos, possuíndo títulos como Meu Tio, e Carrossel da Esperança, no final dos anos 40 até os anos 50.


Tati morreu em 1982, sem ver filmado seu roteiro para O Mágico (I'illusionniste, FRA, 2010), que foi então adaptado pelo diretor Sylvain Chomet, de As Bicicletas de Belleville. Nesta história que se passa em Edimburgo, Tati em forma de desenho, é um mágico francês decadente, que vê sua carreira desabar na onda de astros de rock duma Europa pós Segunda Guerra. Forçado a aceitar trabalhos em teatros quase abandonados, festas e bares, Jacques viaja por vários lugares da Europa em busca de seu sustento, até que na Escócia ele encontra uma jovem fã que muda sua vida para sempre.


Sem diálogos e somente com 80 minutos de duração, O Mágico é um filme de animação pra lá de diferente. E eis uma das coisas boas dos "desenhos animados". Ao contrário dos filmes que estrelam atores reais, as animações, sendo elas de qualquer parte do mundo, proporcionam ao espectador uma viagem a lugares, mundos, situações e personagens que jamais seriam possíveis no cinema com pessoas reais, por mais avançadas que sejam as técnicas de filmagem.


Isso ocorre por causa das diferenças entre a aceitação de um filme e de uma animação. Em desenhos, tudo é plausível e as implausibilidades tornam-se aceitáveis em qualquer circunstância. Brinquedos podem ganhar vozes de astros de cinema, e personalidades próprias. Cidades podem flutuar e casas podem ser erguidas por balões. Robôs podem emocionar pessoas e carros podem ganhar vida nas mãos de um hábil diretor. Uma menina pode se perder em uma casa de banho para Deuses e um mágico pode procurar significado em sua vida, enquanto a única coisa que ele sabe fazer já não é mais necessária.


Sylvain Chomet é, certamente, um dos maiores cineastas da atualidade, em qualquer gênero, sendo comparado somente a gênios como outro animador, o japonês Hayao Myiasaki, de A Viagem de Chihiro. Requer muita coragem e perícia para fazer um filme sem diálogos, contando apenas com as ações dos personagens e um fundo musical.


E aliás, que fundo musical. Composta pelo próprio diretor que também adaptou o texto original de Tati, a música é personagem integrante da história, tanto quanto Tati e a jovem que o acompanha em sua jornada por teatros caindo aos pedaços e sem público. Ela da voz às animações, carregando o espectador no colo durante pouco mais de uma hora de filme.


O Mágico é uma evolução extraordinária em termos de trajetória. Começa com muito humor, mas um humor sutil, que requer atenção aos planos secundários das cenas para ser admirado em toda a sua magnitude. E conforme a história se passa, os pianos suaves e cordas gentis vão acompanhando Tati, em um mundo que vai se transformando num lugar cada vez mais triste e mais frio.


O filme de Chomet é de partir o coração, e seu impacto emocional permanece durante muito tempo, engasgado no peito de quem o assistir. Não é uma história para crianças, e embora possa ser assistido por todas as idades, só pode ser realmente compreendido em toda sua beleza e profundidade por alguém mais atento. É uma poesia digna da lista das melhores animações já feitas, lado a lado com o mestre japonês Miyasaki, que também é capaz de transpor emoções como ninguém mais.


Três filmes de animação estão indicados este ano ao OSCAR de melhor animação. Toy Story 3 da Pixar, Como Treinar o Seu Dragão da Dreamworks, e O Mágico. É difícil acreditar que depois da obra prima que foi Toy Story, algo pudesse superá-lo, mas O Mágico conseguiu.


Assim como o ofício de Tati, os filmes de animação que são realmente desenhos, estão deixando de existir, em uma indústria dominada por animações computadorizadas que custam de 100 a 200 milhões de dólares, ou mais. O Mágico custou 11 milhões de euros. O que prova que orçamento é o menor dos problemas quando se trata de contar uma boa história.


Por enquanto, a indústria cinematográfica americana continuará na ilusão de que domínia a doce arte da animação. Mas a verdade é que por trás dos muros da Pixar, da Dreamworks e da Fox, existe todo um mundo. Enorme, profundo e belo.



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