quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Reencontro dos Tolos

Em O Espião que Sabia Demais, o diretor Tomas Alfredson ajuda a reinventar um gênero já desgastado criando o melhor filme de espionagem de todos os tempos.

O cenário é Budapeste. Um homem chamado Jim Prideaux (Mark Strong) está sentado num café com outro homem. Ambos esperam a chegada de um terceiro que possui informações sobre um possível agente duplo dentro do mais alto escalão do MI6. O garçom se aproxima se aproxima, tremendo e suando. É o primeiro sinal de que alguma coisa está errada. Jim percebe, se levanta, mas já é tarde demais. O garçom entra em pânico e dispara duas vezes: o primeiro acerta uma moça sentada numa cadeira em frente com uma criança no colo. O segundo acerta Jim nas costas que cai, sangrando no chão da calçada.
É com Jim que a história se inicia, se desenrola e termina, pois é Jim o estopim para os acontecimentos que virão em seguida, no filme O Espião que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, ING, 2011), em cartaz no cinemas de todo o Brasil.
A suspeita é simples. De acordo com o líder do MI6, Control (John Hurt) há um espião, bem no topo do "Circo". Ele está lá por anos e é um de cinco homens: Bill Haydon (Colin Firth), Percy Alleline (Toby Jones), Roy Bland (Ciarán Hinds), Toby Esterhase (David Dencik) ou George Smiley (Gary Oldman). Mas como descobrir um inimigo que está escondido bem diante de seus olhos? E pior: depois o que fazer com ele? Entretanto quando Control morre do coração, a missão de descobrir o espião dentro do MI6 cai nas mãos do semi-aposentado Smiley.
Baseado no romance homônimo de John Le Carré, O Espião que Sabia Demais de 1974 é considerado por muitos, sua obra prima. E isso vindo do autor de obras clássicas da espionagem contemporânea como O Espião que Veio do Frio, O Jardineiro Fiel e A Casa da Rússia, é muito. Difícil dizer se de fato o é, mas com certeza é um dos mais complexos. São dezenas de personagens, reviravoltas, flashbacks, informações e outros tantos nomes, que são capazes de deixar o mais atento dos leitores confuso.
Não é o caso da adaptação dirigida pelo sueco Tomas Alfredson. Vindo do sucesso do drama de terror, Deixe ela Entrar, Alfredson teve a dura tarefa de fazer um trabalho melhor do que o realizado na minissérie de 1979 e mais: de tornar uma obra complicadíssima, num filme assistível.
Com um elenco do mais alto calibre britânico, o papel de George Smiley - que aparece em várias obras de Le Carré - caiu nas mãos de Gary Oldman, que esperou uma vida inteira pela oportunidade de mostrar todo o seu potencial em um papel que merece todo o seu potencial. O resultado é mais que primoroso.
Trata-se de um personagem de grande frieza, e que não demonstra seus sentimentos em momento algum, mas que no fundo é atormentado por uma série de questões morais e pessoais. Smiley acabou de perder o emprego, sua mulher o traiu e o tirou e agora ele tem que espionar seus próprios companheiros para descobrir um traidor que esteve escondido durante anos bem na frente de seus olhos.
Aliás, este é um filme onde não há um ator sequer fora do papel. Estão todos perfeitos e isso somado à interessante fotografia de Hoyte Van Hoytema e à trilha sonora de Alberto Iglesias, tornam esta uma das mais interessantes obras da espionagem do cinema contemporâneo de todos os tempos.
É também um anti-filme de espionagem. Não há perseguições ou tiroteios em O Espião que Sabia Demais e a sexualidade sedutora do agente James Bond aqui é substituída por momentos de homoeroticidade bem palpáveis - o que vindo de uma sociedade conservadora da Inglaterra dos anos 70 é algo bem delicado.
Ao contrário do livro, o filme foi capaz de condensar absolutamente o essencial, também proporcionando mais lineariedade à narrativa de Le Carré. Isso não diminui em nenhum momento a intelectualidade da obra original, ou os dilemas morais que ela apresenta. Afinal, qual é o valor da lealdade em uma sociedade que já não acredita mais nos seus ideais do pós-guerra, em seus líderes, ou nos líderes das nações vizinhas. São todos tolos, na verdade - os integrantes do "Circo". Seja por que eles acreditam em seus ideais, ou não.

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