terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O Império do Besteirol

Saído dos desenhos para os cinemas, Brad Bird tomou as rédias do novo Missão Impossível, mas o resultado deixou a desejar.

A ideia de uma franquia é de que cada novo episódio traga ao público mais do que o episódio anterior. Isso significa mais ação, mais perseguições e explosões, mais comédia, mais moças bonitas e por aí vai. Missão Impossível: Protocolo Fantasma segue exatamente essa noção de que quanto mais melhor.
A franquia de Missão Impossível, baseada na série de televisão de 1966, já teve quatro diretores diferentes. Brian de Palma dirigiu o primeiro filme, que teria sido memorável se a última sequência de ação não fosse tão absurda; John Woo (a resposta do oriente a Ed Wood) dirigiu o segundo que ainda é o pior de todos; J.J. Abrams debutou nos cinemas com o terceiro e agora Brad Bird, conhecido diretor da Pixar, assumiu as rédias do quarto e último filme da franquia - até agora.
Não funcionou muito bem. O que parece absurdo, visto que até agora foi o filme mais bem criticado tanto pela crítica quanto pelo público, e que vem somando horrores de bilheteria, deixando para trás até mesmo Sherlock Homes, War Horse (de Steven Spielberg) e Os Homens que não Amavam as Mulheres de David Fincher.
O filme é dividido em uma série interminável de blocos, cada um com uma sequência de ação mais espalhafatosa do que outra. Tanto que para que o filme começe, sã necessários três blocos: um agente da IMF (Impossible Mission Force), que carrega códigos de misseis nucleares e é assassinado; a fuga de Tom Cruise de uma prisão na Sérvia e finalmente uma invasão do mesmo Tom Cruise e seus colegas ao Kremlin.
Essa divisão, ao invés de promover um envolvimento maior do público para com a trama, cria uma certa ambivalência com o começo do filme, que deveria ser algo impactante o bastante para prender a atenção do espectador durante duas horas e quinze de filme. O que é o oposto feito por J.J. Abrams no filme anterior, com um começo mais do que impactante.
Aliás, Abrams que atua como produtor da obra, é quem deveria ter dirigido tudo. Discípulo de Spielberg, Abrams é quem tem a inteligência e a energia suficientes para catapultar o filme.
Durante uma missão mal resolvida no Kremlin, que resulta na destruição do histórico edifícil, Ethan Hunt e seus colegas serão vistos como inimigos públicos número um - responsáveis por um ato não declarado de guerra contra a Rússia - e deverão agir sem o apoio da IMF para reaver os códigos de misseis nucleares antes que tudo resulte numa guerra nuclear.
Uma possível nostalgia com a época da Guerra Fria, que rendeu filmes memoráveis sobre ação e espionagem? Difícil dizer. Mas Missão Impossível não foi o primeiro a voltar com essa temática, apesar das boas relações entre a Rússia e os EUA. O outro foi Salt, com Angelina Jolie.
Enfim... A coisa vai desandando a medida em que o filme avança. Com sequências de ação cada vez mais inverossímeis, aparelhagens tecnológicas que transcendem para a ficção científica e que deixariam James Bond de queixo caído e um humor cretino, Missão Impossível ao invés de progredir ao avançar da história, vai regredindo até se tornar uma das maiores decepções do ano em matéria de filmes de ação.
Na obra, os problemas vão se acumulando, como o absurdo das cenas de ação. Em uma sequência em Dubai, Ethan Hunt pula de um carro a cem quilômetros no meio de uma tempestade de areia feita por uma Computação Gráfica que não engana ninguém, não se machuca, vê seu carro se chocar com um outro veículo de frente, e vê esse veículo ser propulcionado no ar e não acertar seu corpo de um metrô e setenta por poucos centímetros.
A coisa não melhora muito. À parte dos efeitos especiais que não são tão bons assim, não há sequer um personagem interessante no filme, com exceção talvez, de Josh Holloway (o Sawyer da série Lost - também de J.J. Abrams), que interpreta o agente da IMF que morre no começo do filme.
O pior de todos é o vilão Kurt Hendricks, interpretado pelo sueco Michael Nyqvist, o mesmo que interpretou o jornalista Mikael Blomkvist na trilogia Millenium original, feito na Suécia. Nyqvist não tem um pingo de personalidade, ou nuances ou nada que sequer o compare com o vilão do filme anterior, interpretado pelo espetacular Phillip Seymor Hoffman.
Cruise, em seu retorno aos filmes de grande orçamento, nem cheira nem fede e também não acrecenta muita coisa ao personagem que já se esgotou faz um tempo.
A direção de Brad Bird é frenética, e o uso de CGI excessivo. Isso faz sentido, pois é o que ele conhece, mas a plasticidade digital não ajuda na construção das cenas mais complexas do filme, como a tempestade de areia em Dubai ou a explosão do Kremlin. A trilha sonora de Michael Giacchino (um dos melhores compositores da atualidade), sustenta o filme, mas não se destaca.
Pior ainda, é a ausência de um roteiro que consiga se reinventar, o que é muito importante em um filme desse tipo. A construção das cenas de ação é sempre a mesma: a equipe da IMF precisa entrar em algum lugar, pegar alguma coisa e fugir - o que sempre resulta numa perseguição absurda.
Uma pena, de fato. Ainda que nenhum dos filmes da franquia seja lá uma obra prima, é triste saber que do terceiro para o quarto filme não houve uma evoulção, mas sim uma regressão. Se Abrams filmou sequências de ação implausíveis, ao menos ele o fez com um realismo que não existe no último episódio. E ao explorar os recursos da narrativa, ele fez o que Bird não conseguiu: transformou o império do besteirol, no espetáculo da inverossimilhança.

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