sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Baboseira Sofisticada





Ainda que Millenium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, do diretor David Fincher seja melhor que a obra sueca em todos os aspectos, ainda não se destaca como uma das grandes obras cinematográficas do diretor.



Em 2008 foi publicado no Brasil o primeiro romance da trilogia Millenium, do autor sueco Stieg Larsson, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres que imediatamente tornou-se o fenômeno literário que já era no exterior. Larsson, que nasceu em 1954 foi um dos mais influentes ativistas suecos e denunciou diversas organizações neofacistas e racistas à frente da revista fundada por ele, a Expo. Larsson morreu em 2004 de ataca cardíaco, antes de ver a obra publicada.


O sucesso de Millenium rendeu uma trilogia de filmes suecos estrelados pela espetacular atriz Noomi Rapace que fez considerável sucesso no exterior (e no Brasil). Em 2009 começou a produção da versão norte-americana de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (The Girl With The Dragon Tattoo, EUA, 2010), desta vez com um elenco de peso com os nomes de Daniel Craig, Christopher Plummer, Robin Wright e Rooney Mara no papel principal de Libseth Salander.


É palpável desde o livro, o quanto Larsson espelhou-se em sua própria vida para compor a obra que fez tanto sucesso. O jornalista Mikael Blomkvist - aqui estrelado por Daniel Craig - é editor e co-fundador da revista Millenium, que denuncia organizações facistas, racistas e de exploração sexual contra as mulheres, não muito diferente do que fazia a Expo durante os anos 90. Contudo, no primeiro livro, sua missão é descobrir o assassinato de uma jovem de dezesseis anos que desapareceu há quarenta anos sem deixar nenhum vestígio.



Mais ainda Blomkvist é um super-ego do próprio Larsson: um indivíduo que, embora ético, é consideravelmente inquieto e irresponsável. Além é claro de ser bonito, classudo e galante. A proza do autor é fria, analítica, recheada de detalhes, jornalística e excessivamente descritiva - o que não é necessariamente uma coisa boa para romances policiais.



A razão disso é óbvia: confundir o leitor com a quantidade absurda de informações que são colocadas à disposição do leitor, amarradas com uma narrativa semi-telegráfica, que lembra um pouco o estilo pragmático de autores conhecidos de romances policiais e espionagem, como John Le Carré, por exemplo, cujo filme O Espião Que Sabia Demais já está em cartaz no Brasil.



O que Larsson não é, ao contrário de Le Carré, é verdadeiramente inteligente. Ele tenta, de fato, mas a narrativa, ainda que prenda o leitor com grande facilidade, não leva a uma conclusão satisfatória. O que torna, esta, uma obra muito perigosa de ser adaptada.

Os filmes suecos o fizeram com considerável qualidade, não obstante, devido principalmente ao talento da protagonista, Rapace que conduz o filme de maneira hipnótica e às vezes, eletrizante. Então, já que a primeira adaptação cinematográfica fez tanto sucesso, o que levou um diretor do calibre de David Fincher (muito provavelmente o melhor da atualidade) tomar as rédias de tão complicada produção?


De acordo com o próprio Fincher, a oportunidade de inicar uma franquia de filmes adultos de grande orçamento (que era o grande sonho do cineasta), falou mais alto, apesar dele ser conhecido por fazer filmes sobre serrial-killers e pelo fato da obra já ter sido adaptada também.


Tomado um ponto de vista técnico, a escolha faz sentido. Fincher e Larsson possui o mesmo estilo frenético de narrativa. A complexidade do tema é orientada pelos diálogos - também uma característica do diretor. E é claro, é um suspense.


O retorno da franquia aos cinemas marca também o retorno de Fincher no gênero da investigação criminal, desde o Zodíaco. E se comparados livro e filme, ambos possuém muitas semelhanças.


Já as diferenças entre o filme norte-americano e o sueco são gritantes. A começar pelo estilo narrativo, que neste caso - conforme já citado anteriormente - se assemelha mais ao livro do que o filme anterior o fez. O visual é marcante, e as qualidades téncnicas como montagem, trilha sonora (composta por Trent Reznor e Aticuss Ross), design de som etc., supera o filme original em todos os aspectos.


Outra diferença gritante é a escolha de Daniel Craig como o galante Blomkvist. Trata-se de um ator que esbanja sexualidade e masculinidade, ao contrário do sabonetão interpretado por Michael Nyqvist na versão original.


O roteiro de Steven Zallian amarra as pontas de uma maneira melhor do que o outro. Este também tem mais humor (coisa simplesmente ausente no livro) e embora tenha um total de 158 minutos, nas mãos de Fincher ele passa como um foguete. Que é uma característica do diretor que sempre usa cortes rápidos, tomadas em movimento e câmeras em ângulos agudos. No final, têm-se uma obra mais cinematográfica - e com obviamente mais recursos - do que seu predecessor.

Apesar de todos os feitos técnicos, de uma boa atuação por parte de todo o elenco e da direção ágil de Fincher, capaz de conduzir sem dificuldades a labiríntica narrativa criada por Larsson, a verdadeira estrela do filme é a atriz Rooney Mara.


Após se destacar na batalha verbal entre Erica Albright e Mark Zuckerberg no filme A Rede Social (também de Fincher), Mara passou por uma bateria exaustiva de testes e ganhou o cobiçado papel de Libseth Salander, a hacker bissexual, punk e genial que tornou a obra de Larsson algo que merecia ser lido.


É, obviamente, Salander a razão pela qual a série faz tanto sucesso e perto dela - apesar dos esforços de Daniel Craig - o jornalista Mikael Blomkvist se torna uma figura pálida e superficial. Salander se aproxima de um personagem cyberpunk, como um indivíduo à margem da sociedade, que domina a tecnologia cibernética e que é incapaz de se relacionar com outras pessoas sem uma grande dificuldade.


Embora seja difícil avaliar se Rooney Mara foi ou não melhor do que Noomi Rapace, é inegável que o talento da jovem é algo que precisa ser observado com atenção, sendo suficiente para lhe render uma indicação ao OSCAR de Melhor Atriz.


No final das contas, Fincher mais uma vez conseguiu tirar leite de pedra, e sob o ponto de vista cinematográfico, este é um grande filme. De longe o melhor do diretor, mas até isso é melhor do que a maioria. Entretanto, é uma baboseira. Assim como livro e como o filme original. Uma baboseira sofisticada, bem feita, bem atuada, bem conduzida e divertida. Uma boa baboseira, de fato. Mas uma baboseira assim mesmo.

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