sexta-feira, 15 de julho de 2011

Sólido Abismo






Phillip Reeve construiu, em Mortal Engines, um universo denso, detalhado e perturbador, onde cidades andam sobre esteiras comendo umas as outras.


Phillip Reeve nasceu em Brighton na Inglaterra, em 1966. Trabalhou como ilustrador de diversas obras infantis, antes de publicar seu primeiro romance, em 2001, chamado Mortal Engines (Mortal Engines, 2011, Editora Novo Século, Osasco, 279 páginas, R$ 26,90), o primeiro de uma série de quatro livros, também conhecidos como Hungry Cities Chronicloes.


Num futuro longínquo, povos tecnologicamente muito avançados da civilização humana foram completamente aniquilados por uma guerra conhecida como Guerra dos Sessenta Minutos, que transformou o planeta Terra em um mundo pós-apocalíptico, onde imensas cidades foram colocadas sobre esteiras e rodam mundo àfora, a procura de presas: outras cidades. As gigantescas construções tracionadas literalmente devoram umas as outras, transformando seus sobreviventes em escravos, no que ficou chamado de Darwinismo Municipal.


É nesse contexto em que Londres vaga pelo deserto,e onde surge o protagonista: Tom Netsworthy. Tom é um mero aprendiz de classe subalterna, quase, que trabalha em um "Museu de História Natural" da Londres criada por Reeve. Depois de ser repreendido por seu superior, após observar a sangrenta caçada de sua cidade a um povoado menor, ele é enviado aos níveis inferiores para ajudar Thaddeus Valentine e sua maravilhosa filha, Katherine, a encontrarem relíquias outrora guardas nas cidades engolidas, chamadas de Old Tech -fragmentos da tecnologia dos povos antigos que foram dizimados à milhares e milhares de anos.


Durante sua busca, os três são confrontados com uma misteriosa garota chamada Hester Shaw. Em um golpe súbito ela tenta matar Valentine, mas é frustrada por um corajoso Tom que se põe em seu caminho. Ele sai em perseguição de Hester que pula para o abismo frio e sombrio das terras abaixo de Londres. Quando Tom conta a Valentine o que aconteceu, este o empurra rumo à morte certa, sem a suspeita de ninguém, pois não havia ninguém - especialmente sua filha - para ver o que aconteceu.


O rapaz obviamente sobrevive, assim como Hester, e ambos correm para alcançar Londres novamente: Hester para concluir sua missão de matar Valentine, e Tom para descobrir o que diabos aconteceu.


Durante sua jornada, Tom descobre que os pais de Hester foram brutalmente assassinados - diz ela - pelo próprio Valentine, que além de tudo lhe desferiu um golpe no rosto, que agora possui uma enorme cicatriz que percorre todo o seu rosto. Também descobrem que a cidade adquiriu um antigo artefato Old Tech chamado de MEDUSA, algo deixado pelos antigos que pode muito bem ter destruído o mundo milênios no passado.


A história é contada em duas narrativas paralelas: uma acompanha Tom e Hester, durante o encontro dos personagens mais inusitados, dos inimigos mais assustadores e das perseguições mais perigosas. A outra acompanha Katherine, filha de Valentine, que procura desesperadamente descobrir a verdade sobre seu pai, e sobre a misteriosa garota que tentou matá-lo.


Ambos os protagonistas das duas narrativas, Tom e Katherine, são perfeitos cidadãos londrinos, inteiramente mergulhados em sua sociedade: uma sociedade consumista e autodestrutiva, não muito diferente da nossa. Mas conforme seus destinos vão chegando ao fim, eles vão percebendo a cruel realidade por trás das pessoas que conheciam, e da vida que tinham.


Obviamente surgem histórias de amor no decorrer do livro. Tom por Katherine, embora ambos estejam separados por centenas de quilômetros, e ela acredite que ele esteja morto. E surpreendentemente de Hester por Tom, que formam uma confusa, conturbada e emocionante amizade.


O ritmo imposto por Reeve é frenético. Durante as quase trezentas páginas há uma profusão de perseguições, conflitos, tiroteios e explosões, para aqueles que não aguentam ficar duas páginas parados. Também é uma analogia as próprias cidades, e mais ainda, à vida no século XXI, transmutável, turbulenta e imparável.


Tom, Hester e Katherine encontram aliados pelo caminho? Sim. Mas ao contrário da maioria das narrativas infanto-juvenis (com exceção talvez, de Garth Nix), não há condescendência do autor com seus personagens. Eles terão que contar com sua coragem, perspicásia e inteligência para sobreviverem. E embora esta seja uma obra categorizada como "infanto-juvenil", Mortal Engines esbanja violência, e seu final (ao menos do primeiro livro), pode ser perturbador.


Mais contrária ainda, à onda da literatura adolescente, não há final feliz em Mortal Engines. Tampouco poderia haver, em uma história de autodestruição como esta. E nos faz pensar qual é o futuro da nossa sociedade que caminha paulatinamente rumo ao precipício. Reeve diz muito bem o que aconteceu conosco, nossa civilização. Foi destruída, vítima de nossa própria imbecilidade, reduzida a sombras e histórias. E cujos erros, os homens do futuro teimam em repetir.


Dessa forma, a obra surge como um sopro de originalidade em um mercado que começa a mostrar tendências de saturamento. Seu universo rico e complexo, seus personagens cativantes, suas sequências de ação intensas e seus destinos perturbadores, farão o leitor grudar em cada uma de suas páginas.


Houve o boato, em dezembro de 2009, que o cineasta neozelandês, Peter Jackson, iria filmar a obra em 3D. Isso, entretanto, permaneceu somente um boato, perdido em algum lugar na sombra e no escuro, proporcionando nada mais do que espectativa. No Brasil, restam ainda três livros a serem publicados. Qual o destino que Reeve dará para Tom e Hester, é impossível dizer até lá. Já o restante da civilização humana pereceu há muito tempo.



Foi lançada também uma resenha no portal do Terra Magazine, escrita por Roberto de Sousa Causo. Ela pode ser lida através do link abaixo:








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