terça-feira, 16 de agosto de 2011

Coisas que falam de mistério






Com uma narrativa desconstruída, A Árvore da Vida fala de muitas coisas. Mas ao invés de tratar de assuntos filosóficos ou teológicos, ele transcende o próprio aspecto visual e parte para a poesia.






Terrence Malick desde o começo de sua carreira em 1973 com Terra de Ninguém, sempre foi um diretor voltado para o aspecto visual. Entretanto, seus filmes são marcados por uma tremenda ausência de construção narrativa, diálogos consistentes ou uma edição que componha um filme tal como o conhecemos.


É esse estilo de direção que fez com que ele se tornasse admirado por uns e odiado por outros. Seus dois últimos trabalhos, Além da Linha Vermelha e O Novo Mundo são uma compilação de imagens desconexas sem qualquer autenticidade íntima, sentido ou significado: um exercício cinematográfico quase insuportável de ser assistido.
Seu último filme A Árvore da Vida (The Tree of Life, EUA, 2011) procura, de certa forma, responder as perguntas que compõe as fundações da existência humana. Ousado? Sim. Pretencioso? Com certeza, assim como são todos os trabalhos de Malick. Este talvez mais do que os outros.


Estrelando Brad Pitt e Sean Penn nos papéis principais, o filme narra (se é que essa palavra é cabível) a infância e a vida adulta de Jack O'Brien (Hunter McCraken e Sean Penn). Com a morte de seu irmão, a vida de Jack e sua família (Brad Pitt, Jessica Chastain e seu outro irmão) desmorona, fazendo com que cada um questione seu papel neste mundo, a existência da fé e de Deus.


O filme pode ser dividido claramente em duas partes bem distintas. A primeira dura em torno de quarenta minutos e não possui um diálogo sequer. A obra abre com a notícia da morte do filho da família O'Brien chegando aos seus ouvidos. Questionando a existência de Deus, ou o motivo por Ele ter levado seu filho, é iniciada uma das sequências mais extraordinárias da história cinematográfica que é uma compilação em tom operístico da criação do universo, passando pela formação da Terra, o nascimento dos dinossauros e finalmente nós.


A partir de então, o filme começa a narrar a infância de Jack, desde seu nascimento, o complicado relacionamento com seu pai, extremamente rígidio, passando pro momentos de pura beleza e outros quase insuportáveis.


É praticamente impossível descrever em palavras a proeminência do aspecto visual neste filme. Malick, com a parceria do diretor de fotografia Emmanuel Lubeski, realizou algo nunca antes visto na história do cinema. Algo de beleza tão singela, que permanece na mente do espectador muito após o término do filme. Lubeski, que previamente havia trabalhado com Malick em O Novo Mundo é uma das personalidades mais influentes no desenvolvimento cinematográfico mundial.


Seu trabalho com Alfonso Cuarón (compatriota com o qual ele realizou várias colaborações), Filhos da Esperança, é um dos trabalhos fotográficos mais espetaculares de todos os tempos, com tomadas únicas de até 7 minutos, feitas inteiramente com câmeras de mão. Entretanto, aqui essa fotografia é elevado a um patamar completamente novo: um dos melhores (senão melhor) trabalhos de fotografia de todos os tempos.


Os efeitos especiais são fantásticos, criando as mais espetaculares imagens que, curiosamente, acabam servindo a uma narrativa. Uma narrativa que trata da vida, da morte, da infância, dos relacionamentos entre pai e filho, mãe e filho e entre irmãos, reencarnação e principalmente redenção.


Louise Gluck tinha razão quando disse que nós só olhamos para um mundo uma vez, na infância. Em A Árvore da Vida, realidade e fantasia se misturam criando um mundo que desafia as leis da física e transcende a natureza tentando esplicar - de alguma forma - o espírito humano. Mas não é o tipo de fantasia que estamos acostumados a ver quando assistimos ou lemos O Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia e afins. É o tipo de fantasia que nos parece tão real quando somos pequenos, e que, conforme o tempo passa, desaparece.


É necessário cautela com este filme. Os primeiros 20 minutos são monótonos a beira de serem insuportáveis. Malick continua a abusar de seu estilo desencadeado de edição, o que não ajuda a manter uma linha trajetória que mantenha o espectador desperto. É um filme longo e complexo que no fim levanta mais perguntas do que respostas. Mas talvez esse fosse o objetivo desde o princípio. Perguntar o que move o ser humano através da adversidade, e onde Deus manifesta-se ao nosso redor, ao invés de entregar a resposta.


Tanto o poema Nostos de Louise Gluck como o último parágrafo de A Estrada de Cormac McCarthy podem explicar até algum ponto, os dois pontos distintos da obra. Obra que de fato, não é para qualquer um. Mas que empurra os limites da produção cinematográfica a uma nova fronteira, transformando-se em algo completamente diferente de tudo que já se viu.






Olhamos para o mundo uma vez, na infância. O resto são memórias.




- Nostos de Louise Gluck





Antes havia trutas nos riachos das montanhas. Você podia vê-las paradas na correnteza cor de âmbar onde as extremidades brancas de suas barbatanas encrespavam de leve a superfície. Tinham cheiro de musgo na mão. Polidas e musculosas e se retorcendo. Em suas costas havia padrões sinuosos que eram mapas do mundo em seu princípio. Mapas e labirintos. De algo que não podia ser resgatado. Não podia ser endireitado. Nos vales estreitos e profundos em que eles viviam todas as coisas eram mais antigas do que o homem e em um murmúrio contínuo falavam de mistério.




- A Estrada de Cormac McCarthy





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