segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Alguma coisa se perdeu no caminho


Filme que retrata combate sangrento no Vietnã, cai em contradição óbvia: como justificar o injusficável?

1965. 400 soldados norte-americanos são emboscados por tropas inimigas no total de 4 mil homens no Vale da Morte durante a guerra do Vietnã. O tenente-coronel Hal Moore encontra-se preso numa emboscada inimiga, com a vida de seus homens em suas mãos, no que foi considerado o combate mais violento da guerra do Vietnã desde a invasão norte-americana ao pequeno país comunista.


Essa é a história contada pelo diretor Randall Wallace no filme Fomos Heróis (We Were Soldiers, EUA, 2002), estrelando Mel Gibson no papel do tenente-coronel Hal Moore, Sam Elliot, no papel do sargento-major Basil Plumley, Greg Kinnear interpretando o major Bruce Crandall e Barry Pepper (que já fez filmes de guerra como O Resgate do Soldado Ryan e A Conquista da Honra) no papel do fotojornalista Joe Galloway que testemunhou o combate (ou boa parte dele), no dia 15 de novembro de 1965.


Acostumado a escrever roteiros de filmes de guerra, como o grande sucesso dirigido por Mel Gibson em 1995, Coração Valente, e o fracasso crítico Pearl Harbor de 2001, Wallace assumiu as rédeas da direção pela segunda vez em um grande projeto (o outro tinha sido O Homem na Máscara de Ferro de 1998), com Fomos Heróis, desta vez tendo no papel principal o ator/diretor Mel Gibson, que rendeu ao seu roteiro de Coração Valente, o OSCAR de melhor filme.


No filme de guerra do Vietnã, um foco interessante é abordado, e que não é normalmente mostrado em outros filmes do gênero: o outro lado das trincheiras. Desde o começo do filme, o espectador é apresentado às famílias dos soldados que estão sendo enviados ao Vietnã, assim como as famílias e comandantes dos soldados vietnamitas, cujo destaque, embora significativamente menor, é interessante.


Esse é um recurso clássico e eficaz para o espectador “apaixonar-se” pelos personagens cujas trajetórias está acompanhando, e nesse sentido o filme cumpre o seu papel.


Contudo, o verdadeiro (ou quase verdadeiro) olhar da história reside na visão do fotojornalista Joe Galloway que viaja ao Vietnã, integrando-se ao pelotão de soldados do coronel Moore, acompanhando a brutalidade do combate sofrido naquele dia, além de criar uma relação de amizade com o personagem de Mel Gibson.


O filme não deixa de despejar recursos para afetar o espectador emocionalmente. Seja nas atuações intensas de Mel Gibson e Berry Pepper (que valem o filme), na apresentação das famílias dos personagens e a trajetória das esposas que começam a receber as cartas informando a morte de seus maridos, ou dos discursos fraternais do comandante vietnamita, aos seus soldados, de uma forma bem parecida com a de Hal More. A música, do compositor Nick Glennie-Smith, é um festival de cordas e acordes profundos e melancólicos, especialmente no terço final do filme.


Contudo, o elemento mais dissonante de toda a obra, é justamente a caracterização do combate. A violência (este é um dos filmes de guerra mais graficamente violentos desde O Resgate do Soldado Ryan) e a brutalidade do combate que resultou na morte de quase 2 mil soldados vietnamitas, acaba criando uma contradição palpável: enquanto tenta equilibrar ambos os lados ao apresentar as famílias das duas nações envolvidas, na tentativa de “humanização” dos personagens “inimigos”, o filme ao mesmo tempo procura ser totalmente pró-americano, ao procurar encontrar a justificativa ou compreensão dos acontecimentos que levaram àquela guerra, e àquele combate. Contudo, ao término, o filme simplesmente falha em todos os aspectos.


Fomos Heróis, tampouco consegue ser equilibrado, quanto pró-americano. Procura justificar o injustificável. Procura entender o inteligível. Procura encontrar uma razão para tamanha dor e violência. A razão das lembranças que ficaram aprisionadas na memória de Hal Moore e Joe Galloway pelo resto de suas vidas (o que inspirou ambos a escreverem o livro no qual o filme foi baseado). Algo se perde durante os 138 minutos da obra. Provavelmente a mesma coisa que os jovens soldados levaram para o vale em 1965, e que permanece lá até hoje.


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