Obra-prima do diretor Michael Haneke, Amor é o melhor filme do ano
Georges e Anne são um casal octogenário que mora em um
apartamento elegante na França. Os dois foram professores de música durante a
maior parte de suas vidas e possuem uma filha que também trabalha na área
musical e que mora na Inglaterra com seu marido. É mais ou menos isso que
sabemos sobre o casal, além do amor que eles possuem um pelo outro.
Na cena de abertura, bombeiros abrem a porta do apartamento
à força, para descobrir o corpo de Anne no quarto envolto em pétalas de flores
decadentes. Seu corpo estivera lá por muito tempo e não sabemos onde seu marido
está. A cena corta para uma apresentação musical na qual nunca vemos o palco.
Um piano começa a tocar e em meio ao público que assiste, está o casal. É a
primeira vez que vemos os dois juntos.
O diretor austríaco Michael Haneke está acostumado a fazer
filmes que tratam sobre violência. É um trabalho sujo, mas alguém tem que
fazê-lo. Os 20 e tantos anos de carreira no cinema renderam filmes enigmáticos
como Caché e perturbadores como Violência Gratuita e A Fita Branca. Também renderam duas
Palmas de Ouro. Uma por A Fita Branca e
a outra por Amor.
Haneke é inteligente, cruel e manipulativo. Com ele as
coisas nunca são tão simples. Nós nunca vemos o piano que está sendo tocado,
seu olhar é focado para algo mais objetivo. Juntos, Anne e Georges são a
definição da integridade e da dignidade. Ambos os atores, Jean-Louis
Trintignant e Emmanuele Riva estão com mais de 80 anos (Trintignant tem 82 e
Riva 85) e foram incumbidos com os papéis mais corajosos de suas carreiras.
A dignidade desaparece quando Anne tem um derrame. Caberá a
seu marido, Georges, cuidar da esposa que sucumbe à doença da era moderna,
enquanto seu corpo e sua mente vão lentamente se deteriorando até que os
maiores traços de sua personalidade desaparecem debaixo de lençóis e edredons
de uma cama.
Trintignant e Riva foram dois astros do cinema francês na
época de sua juventude. Os traços da beleza galântica desapareceram com a
idade, mas a experiência e o amor pela profissão permaneceram. E são colocados
à prova neste filme, com toda a força de um trem em alta velocidade.
O papel de Haneke não é chocar. Deixe isso em seu devido
lugar com Violência Gratuita. O que
temos, no entanto, é um relato profundo e sincero sobre a união de um casal que
passa por dificuldades do mundo contemporâneo. Esse tipo de beleza e poesia é
algo raro na filmografia do diretor, mas o resultado não é menos emocionante. Ou
perturbador.
Amor é uma
montanha-russa de emoções. Quieto, belo e devastador. O que sobra no fim é uma
realização súbita e indubitável de que o futuro da vida de qualquer pessoa pode
terminar com os bombeiros arrombando a porta. Não há como negar. Estamos aqui
só de passagem.
Por Roberto Fideli.
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