quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Batalha em novas frentes


Em um mundo que encara a guerra como um passatempo (vide os adorados filmes e jogos de videogame do gênero), ou como uma realidade muito, muito distante, é assustador notar que ela está bem ali, a um pulo do Brasil, do outro lado do oceano Atlântico. Na verdade, não é surpresa que a África é um continente sempre marcado por guerras. Todos sabem que as disputas por riquezas ou territórios devastam a planície africana há mais tempo do que podemos lembrar, mas essa sempre foi uma história que permanecia não contada.

O livro Muito Longe de Casa: Memórias de um Menino-Soldado, escrito por Ishmael Beah, conta esta história em vívidos detalhes. Em alguns momentos, mais detalhes do que podemos suportar. Vale ressaltar que este é um livro autobiográfico e não um livro-reportagem, pois toda a história é contada pelo próprio Ishmael, de seu ponto de vista, e relata fatos ocorridos com ele durante sua adolescência em Serra Leoa. E é necessário dizer: esse livro é simplesmente brilhante.

A história começa com o autor-protagonista aos 12 anos, indo viajar com o irmão e alguns amigos para se apresentar em um show de talentos. Fascinado pelo estilo hip hop americano, os garotos se aventuravam a cantar rap em inglês em concursos e festivais. Estavam em uma dessas viagens quando descobrem que seu vilarejo foi invadido pelos rebeldes. O ano era 1991. Sem poder voltar para casa, começa a buscar a sua família e a de seus companheiros, sem sucesso, viajando incansavelmente e passando por uma quantidade sem fim de dificuldades na estrada.

Em uma terra assolada pela guerra civil e em que jovens rapazes lutam tanto pelo exército quanto pelos rebeldes, alguns adolescentes viajando sozinhos não conseguem evitar a desconfiança que surge por parte da população. É inevitável ser perseguido ou expulso de vilas que surgem pelo caminho, sempre se escondendo da sombra criada pela RUF (Revolutionary United Front, ou Frente Unida Revolucionária). Esta organização é conhecida tanto por sua violência, que não diferencia soldados de civis, quanto por  recrutar jovens garotos para marcá-los com fogo e obrigá-los a integrar suas fileiras de combatentes.

Após se perder do irmão e dos amigos, o autor fica perdido na floresta por semanas antes de encontrar um novo grupo de jovens e se juntar a eles. E então, aos 13 anos, Ishmael é recrutado para fazer parte do exército de Serra Leoa. Por uma questão de sobrevivência acaba indo para a linha de frente, onde chegou a cargo de subtenente e ganhou o apelido de Cobra Verde devido a suas qualidades como soldado - se disfarçar e passar despercebido na selva e por, no caso de ser subestimado, ser letal. Permaneceu no exército até meados de 1996, quando foi retirado de suas funções militares por uma coalizão da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) com ONGs, que objetivava afastar meninos-soldados do front.

Nos meses em que passa se reabilitando e tentando voltar a se acostumar à vida em sociedade, Ishmael também tem de enfrentar a abstinência das drogas a que se viciou no seu tempo no exército: maconha, brow-brow (uma mistura de cocaína com pólvora) e anfetaminas que forneciam energia durante o combate. Nessa fase de sua vida, a música volta a exercer imensa influência em sua recuperação, em especial o reggae de Bob Marley.

Após golpe de Estado que depôs o governo legalmente eleito, Ishmael fugiu de Serra Leoa, sendo adotado por Laura Simms que conheceu quando freqüentou o evento chamado Escola Nacional das Nações Unidas para discutir como acabar com a participação infanto-juvenil nas guerras. Hoje, Beah é formado em Ciência Política pela Oberlin College e atua em prol do fim dos meninos-soldados da África e do mundo. Abandonou os campos de batalha e a violência, mas nunca se esqueceu daqueles que lutaram ao seu lado. Agora luta por eles, em uma outra frente de batalha, para mostrar ao mundo tudo o que viveu, objetivando que outra não tenham de passar pelo inferno que ele próprio vivenciou.

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