quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Círculo Fechado



Only Yesterday do diretor Isao Takahata é mais uma das muitas constatações do porquê do estúdio Ghibli se destacar como o melhor estúdio de animação do mundo.


Ao contrário de seu parceiro e sócio Hayao Myiazaki, Isao Takahata não possui a mesma projeção internacional, nunca ganhou um OSCAR, seus filmes não tratam de heroismo e fantasia, e ele não filma nada desde 2003. Aliás, de seus poucos trabalhos, a maioria fala das relações familiares e conflitos internos de personagens que vivem no Japão.
Apesar de ser impossível comparar os estilos dos dois diretores, é inegável que Takahata é um dos mais talentosos diretores de animação (e qualquer outro gênero ou vertente cinematográfica) a colocar os pés no Japão. Em 1986, ele e Myiazaki fundaram o estúdio Ghibli, cujo primeiro lançamento foi a animação Laputa, Castle in the Sky. Desde então, 'Ghibli' tornou-se sinônimo de qualidade em produções cinematográficas de qualquer gênero, fazendo frente às animações norte-americanas da Disney e Pixar. A consagração veio em 2003, quando A Viagem de Chihiro, dirigida por Myiazaki, recebeu o OSCAR de Melhor Animação.
Quanto a Takahata, seu trabalho mais conhecido é - ainda - Túmulo dos Vagalumes, uma brutal e magnífica narrativa de um casal de irmãos pequenos que vagueiam por um Japão devastado pela Segunda Guerra. Ainda que maravilhoso, Túmulo dos Vagalumes é uma das mais tristes animações de todos os tempos. Seu estilo realista e melancólico o caracterizou em seus trabalhos subsequentes, ainda que ele tenha voltado-se mais para o lado da comédia nos anos seguintes, do que para o drama pesadíssimo de sua primeira obra.
É o caso de Only Yesterday (Omohide poro poro, JAP, 1991). Completando agora vinte anos desde seu lançamento, Only Yesterday é a história incrivelmente simples de Taeko, uma moça de 27 anos que vive em Tóquio e trabalha num escritório, até no ano de 1982 (quando a história se passa) Taeko é invadida pelas lembranças da época em que tinha 10 anos.
Entretanto, de simples esta história não tem nada. Acompanhamos duas narrativas paralelas. Uma se passa em 1966 e vai narrando a trajetória da Taeko quando criança, e a segunda quando adulta.
Desde criança, ela sempre foi uma garota decidida, extrovertida, imaginativa e de forte personalidade. Ou seja, tudo o que a sociedade NÃO quer que ela seja. Isso se mostrava claramente evidente em seu relacionamento com seus pais. A figura materna ganha destaque, assumindo a forma de um pai severo e irredutível. Takahata mostra com todas as letras, as dificuldades de se viver em uma sociedade patriarcal, ainda mais nos anos 60.
Durante o decorrer dos acontecimentos, 17 anos depois, Taeko vai se lembrando dos eventos marcantes daquele ano específico. Como o primeiro amor, a primeira menstruação, a primeira briga com o pai, as dificuldades em matemática e todas as situações que marcam a vida de qualquer criança.
É disso que faz Only Yesterday uma animação diferente de tudo o que já se viu. Ainda que com muito humor, Takahata que também assinou o roteiro, apresenta com implacável realismo, as atitudes de uma criança de dez anos, e como sua perspectiva mudou quando ela se tornou mais velha.
Talvez esse seja o ponto principal que o difere do companheiro Myiazaki. Enquanto as personagens femininas do outro são extremamente heróicas e obrigadas a amadurecer numa velocidade alarmante diante das circunstâncias, no contexto em que são apresentadas, as personagens de Takahata fecham o círculo, comportando-se EXATAMENTE como uma criança. Não necessariamente sobrando espaço para finais felizes.
Agora mais velha, Taeko viaja para o campo - local predileto dela - para passar curtas férias do trabalho. Lá, ela conhece um rapaz relativamente bobo, mas de bom coração chamado Toshio que gradualmente se mostra a pessoa ideal para ela, ainda que ela não veja. E embora ela se depare de um portão que a leve para dentro de si mesma (um local assustador, no qual é preciso coragem para entrar), ela não estará sozinha em sua jornada.
Para um anime de vinte anos, a qualidade da animação é impecável. E não apenas isso, como há uma clara distinção entre os dois períodos narrativos. Quando no passado, os traços são finos, como uma aqualera, representação dos efeitos do tempo sobre as lembranças. Já no tempo presente, os traços são nítidos e cheios de detalhes.
Não se deve subestimar, Only Yesterday. Takahata lida com tudo com tanto humor e delicadeza, que até o momento do veredicto final, não temos ideia de quão sérios são os assuntos que estão sendo tratados na tela. Pois eles são muito sérios. E ao final das quase duas horas do filme, somos abalados em nossas bases, e tal impacto perdura durante muito tempo após a sessão.
Muitas crianças, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, passaram pelo que Taeko passou. Quando são muito imaginativas, hiperativas e possuém uma visão distinta do mundo são tratadas como 'estranhas', 'problemáticas', 'anormais'. As escolas não sabem lidar com elas, e muitas vezes os pais também não. Em casos mais extremos, dão remédios aos filhos para que fiquem mais comportados, limpando assim, os traços de genialidade e imaginação que essas crianças possuíam.
A representação mais clara disso, é quando Taeko tira 2,5 em Matemática (o que já deve ter acontecido com MUITA gente). Sua irmã começa a explicar os exercícios que ela errou, mas Taeko não opera baseada em fórmulas precisas, mas sim através da dedução lógica. Mas, obviamente, isso está errado e fora dos padrões. Então não pode. E numa conversa que ela ouve escondida, Taeko é chamada de 'anormal' pela própria mãe, por que ela simplesmente não se encaixa no perfil.
Essas mágoas foram levadas pelo restante da vida de Taeko, até o momento em que ela precisa confrontá-las. E nesse momento, todas as lembranças serão evocadas, e a acompanharão aonde ela deve ir. Dessa forma, Only Yesterday se mostra um anime singular. Simples, divertido e delicado, mas que irá arrancar seu coração pela raíz se você não tomar cuidado. Uma história sobre as dificuldades do amadurecimento, sobre a perda da inocência e das mágoas que são carregadas pela solidão do fato de ser o único diferente em um mundo tão igual.

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