terça-feira, 20 de maio de 2014

Testemunhando um grande começo




Sabe aquele livro que você não consegue largar? Mesmo que sejam três da madrugada e você tenha que trabalhar ou estudar cedo no dia seguinte e, mesmo assim, você não tem vontade de largar a leitura. Sabe quando isso acontece? Não é incrível? O livro de hoje é um desses que você lê e não consegue largar por muito tempo. Você sabe que se arrependerá no dia seguinte, quando for um zumbi cheio de sono, mas é simplesmente impossível não mergulhar madrugada adentro continuando a leitura, tamanha a empolgação.


Com um ritmo rápido e viciante, que mais se assemelha ao de um filme de ação, Quando eu era Joe é uma narrativa infanto-juvenil contemporânea bastante diferente. O livro conta a história de Ty, um jovem tímido e magricela de 14 anos que vive em Londres com a mãe. Pelo menos até presenciar um crime e ter de ser colocado no Programa de Proteção às Testemunhas para que consiga sobreviver tempo suficiente para testemunhar. Logo, o garoto é afastado e tem de esquecer seu único amigo, sua escola, sua cidade, sua avó. É obrigado a mudar sua aparência e até mesmo seu próprio nome.


Com um visual totalmente diferente e agora sob o nome de Joe, o garoto tem de aprender a viver com um segredo que pode colocar a sua vida e de todos com quem se importa em risco. Um leve deslize pode fazer com que todos sejam mortos. É nesse clima de paranóia que Joe começa a frequentar uma nova escola e desperta o interesse dos colegas com seu jeito misterioso, atraindo mais atenção do que seria necessário, segundo o policial que cuida de sua segurança. A situação só piora quando desperta o interesse da popular Ashley e dos encrenqueiros do colégio. E ainda por cima, Joe decide entrar para o time de corrida da escola, esporte em que se prova bastante competente - o que acaba por atrair ainda mais atenção para si mesmo quando se destaca como uma estrela juvenil na cidade pequena.


Para piorar ainda mais as coisas, sua mãe tem grande dificuldades em se adaptar com seu novo estilo de vida recluso e discreto e pode colocar tudo a perder com sua depressão ao entrar em contato com suas antigas amigas. E, como se a situação não pudesse ficar mais tensa, os criminosos podem tentar machucar a avó de Ty para chegar até ele.


O romance de Keren David consegue encarnar bem as neuras relacionadas com a adolescência, as dúvidas e inseguranças, além, é claro, do desejo de namorar aquela garota bonita ou o medo da escola nova. A perspectiva de Ty/Joe mostra um lado da mente dos jovens que todos nós conhecemos ou iremos conhecer um dia. Sem falar na tensão constante de se ter uma gangue de perigosos criminosos à sua procura. E, claro, como todo bom romance, as reviravoltas e surpresas na narrativa acontecem sem parar.


Para finalizar ainda, devo dizer que fiquei agradavelmente surpreso ao me dar conta de que este é a apenas o primeiro de uma série de livros que conta a história de Ty e como ele sobrevive(rá) até que chegue a data do julgamento em que irá depor. Joe é apenas a primeira de suas identidades e os criminosos não descansarão até conseguirem pegá-lo. E, como parte do processo de entendimento do livro, fiz uma pesquisa rápida (santo Google) sobre os programas de proteção à testemunha, incluindo o famoso WitSec (Witness Security Program ou programa de proteção às testemunhas, em português) dos EUA ou o UK Protected Persons Service (Serviço de Pessoas Protegidas do Reino Unido) - que é o serviço utilizado no livro, já que este se passa na Inglaterra. Descobri que no serviço britânico de testemunhas há mais de três mil pessoas sob proteção do governo no momento enquanto que no serviço de testemunhas brasileiro (sim, nós temos uma também!), o número de pessoas protegidas desde 1999 é de cerca de 4500 pessoas. O programa brasileiro se chama Provita (Programa de Proteção às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas) e gasta cerca de R$15 mil, em média, por testemunha protegida (uma gasto de 80% do governo federal e 20% do governo estadual). Informações retiradas daqui e daqui. Isso só mostra que o Brasil é um país que ainda tem muito o que aprender no que se refere a proteger os seus cidadãos.


Sobre Quando eu era Joe, o livro é daquele que te deixa na beirada da cadeira, com uma excitante sensação de quero mais. E, ao final, tudo o que deixa é o sentimento de que é um ótimo começo para uma saga juvenil. E deixa a sensação de que se testemunhou o início de algo incrível.


Keren David, Quando eu era Joe (When I Was Joe), Editora Novo Conceito, 318 pgs, R$ 26,90.

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